Faz dois meses que minha
mãe virou estrela. Juntou-se a uma constelação de mulheres maravilhosas que
marcaram a minha vida e que, há tempos, não estão mais por aqui. Minha madrinha
e tia Dudu, minha tia Horaida, minha tia-avó Leopolda, minha mãe postiça Elzita,
minhas amigas Elvira e Tana, além das Celinas, avó e mãe do meu marido,
que não cheguei a conhecer, mas que passei a amar pelo que vejo delas nele.
A saudade que sinto da
minha mãe me faz lembrar de todas essas mulheres, que sempre me inspiraram e de
alguma forma me influenciaram a ser quem sou. E mesmo que elas não tenham
necessariamente convivido entre si enquanto estiveram por aqui, gosto de pensar
que, onde estiverem agora, estão juntas, apreciando uma boa taça de vinho, como
minha mãe e madrinha gostavam, e se dedicando a looooongas e saborosas
conversas. E, claro, olhando por mim.
Posso ver minha vó
Leopolda, debruçada sobre a grande mesa com tampo de mármore, que tinha na
copa, abrindo a massa que ela mesmo fazia para os almoços de domingo.
Junto com meu tio-avô Ramos, ela ocupou o lugar dos avós que não conheci
e me mimou como se neta fosse. Acho que lá, na dimensão das estrelas, continua
convidando todos ao seu redor para comer seu imperdível
ravióli e debatendo ardorosamente com sua filha, minha tia Horaida, a
necessidade de arrumar a mesa com uma legitima toalha de linho bordada na Ilha
da Madeira. Vó Leopolda acreditava piamente que o ritual à mesa influenciava o
apetite; minha tia Horaida não discordava, mas pensava que era possível
modernizá-lo, pelo menos no que tocava toalhas engomadas... Porém, sempre cedia
aos argumentos da mãe. E foi ali, tenho certeza, que comecei a apreciar mesas
ornadas com cristais e castiçais. E onde também descobri o sabor de casa em
festa materializado nos fios de ovos, que minha tia Horaida se esmerava em
caramelizar toda vez que decidia dar um toque de requinte aos seus assados.
O requinte talvez não
fosse a maior qualidade da minha madrinha e tia Dudu, mas ela transbordava em
generosidade e bom humor. Mesmo não dispondo com meu tio Leo de muitos recursos
e tendo que dar conta de quatro filhos, sua casa estava sempre aberta para
sobrinhos, afilhados, vizinhos, agregados e quem mais chegasse para fazer uma
boquinha e/ou bater um papo. Foi sempre a melhor colônia de férias da
minha infância e adolescência. Ali aprendi a viver em grupo e a abrir mão da
minha egotrip de filha única para
compartilhar brinquedos, cama, roupa, comida e risadas. Ali me dei conta de que
o mundo ia além do meu próprio umbigo e que uma boa gargalhada pode curar as
piores feridas.
Foi através de outra
filha única, minha amiga Patricia, que ganhei Elzita, mãe dela e que aos poucos
foi se tornando minha mãe postiça. Eu tinha 18 anos e acabara de chegar de
Petrópolis para cursar jornalismo no Rio. Conheci a filha no corredor da
universidade, desbussolada como eu, procurando pela sala de aula; em cinco
minutos viramos amigas de infância. As duas, mãe e filha, em pouco tempo me
adotaram e a casa delas passou a ser também a minha. Com elas entendi o que é
ter uma família do coração — aquela que a gente escolhe pelos laços do afeto.
E foram esses laços que,
entre os vinte e poucos e os trinta e alguns anos, me conectaram a Elvira e a
Tana, mulheres empoderadas muito antes da expressão existir e virar moda; ambas
escritoras, ambas multi talentosas — tudo o que eu queria ser quando crescesse.
Ambas se tornaram minhas almas gêmeas e o meu avesso, assim mesmo: junto
e misturado. Com elas entendi e vivi o afeto apesar das discordâncias, das
discrepâncias, das incoerências. Me tornei mais flexível. Amadureci.
Amadureci, mas não o
suficiente para ficar órfã de mãe. Ainda que você, mãe, tenha vivido tanto e já
não pudesse mais cuidar de mim; ainda que nos últimos anos tivesse se tornado
um pouco minha filha; você estava sempre lá pra mim, por mim. E isso me
tranquilizava — era como ter sempre um colo pra onde correr.