Quem sou eu

sábado, 26 de agosto de 2017

Aquilo que ninguém te conta / What no one tells you

Dar tempo ao tempo.  Já perdi a conta de quantas vezes, ao longo das minhas seis décadas de vida, essa expressão contrapôs minhas ansiedades, minhas inquietações. Em forma de conselho, consolo, advertência, não importa: a ideia de que o tempo cura tudo, resolve tudo, sempre pontuou os momentos em que  não encontrei respostas e/ou em que as respostas obtidas não me satisfizeram. O que ninguém me disse e levei alguns anos para descobrir é que ‘dar um tempo’ não significa  se acomodar na espera. Na espera de que os dias passem, um milagre aconteça  e todas as questões  inbricadas se esclareçam, assim, num estalar de dedos,  como num passe de mágica.

Imagem Google
A conversa, na semana passada, com um amigo pelo menos três décadas mais jovem do que eu, me fez pensar sobre isso.  Seis anos atrás, ao ver-se infeliz no programa de trainee de uma grande empresa, ele chegou à conclusão que precisava de um tempo para saber o que realmente queria fazer profissionalmente. Ciente de que a família não o apoaria na decisão de largar tudo para embarcar no que, então, chamava de “processo de averiguação”,  ele passou um ano juntando todo o dinheiro que ganhava, a fim de bancar o que hoje define como a “a aventura de traçar o próprio destino”.  

Passou quase três anos de mochila nas costas, rodando o mundo. Visitou os cinco continentes. Bem no início desse périplo, percebeu que, se não achasse uma forma de trabalhar e ganhar algum, o dinheiro que tinha mal daria para seis meses. Então, resolveu colocar a mão na massa; literalmente.  
Nesse período, trabalhou como garçom, faxineiro, copeiro, recepcionista, tarifeiro, motorista de taxi, auxiliar de pedreiro e o que ‘pintasse’ no país seguinte e o remunerasse honestamente. Ao mesmo tempo, aprendeu a cozinhar,  varrer,  bater uma laje, meditar, programar software,  falar sueco e mandarim. Voltou ao Brasil a bordo de um cruzeiro, trabalhando como pianista. Finalmente, entendeu para que serviram os oito anos de conservatório que ocuparam uma boa fatia da sua infância e o fizeram praguejar uma boa parte da adolescência. Ali estava ele, finalmente, protagonista e intérprete da trilha sonora da sua epopéia como globe trotter…
Desembarcou em Santos, convicto do que queria fazer. Levou mais três anos trabalhando no que, aparentemente, não tinha nada a ver, para se estruturar e empreender seu próprio negócio.

“Precisei de todo esse tempo para me testar, errar, aprender, amadurecer e ter clareza sobre quem eu sou, para onde quero ir e como desejo chegar lá – diz ele. – Há quem diga que foi muito tempo. Eu acho que foi o necessário para obter  respostas. As respostas para as perguntas que nunca deixei de fazer”. 

A última frase do meu amigo ficou martelando na minha cabeça, enquanto, sem saudosismos,  revisitei minhas próprias perguntas. As questões que, ao longo do tempo, moveram/movem a minha vida e cujas respostas tive/tenho que buscar por mim mesma. Aquilo que ninguém te conta e que a simples e inexorável passagem do tempo, por si só, não responde.

Por exemplo: se a infância é a melhor fase da vida, por que houve momentos --  looooooooongos momentos -- em que me senti tão infeliz? Se a adolescência é um períodoo de transição, em que tudo que vem dos pais é questionado e, muitas vezes, deletado, por que escamoteei minha rebeldia e fiz a travessia sem traumatismos (pelo menos para eles)? Se a maior idade começa aos 18 anos e a vida adulta aos 21, por que só reconheci o final da adolescência ao beirar os 30? E se é a partir dessa idade que o relógio biológico acelera no tique-taque do querosermãe/precisosermãe/queroeprecisosermãe!!!!!!!!!!, por que recolhi até próximo os quarenta anos essa minha certeza -- existente desde sempre -- de que eu não nasci para e nunca seria mãe?

Imagem Google
Talvez porque os quarenta anos sejam um momento de chegada a um patamar de consciência, reconhecimento, serenidade e plenitude. Um momento realmente pleno. Um momento que, TO-LI-NHA!, achei: duraria forever and ever (em inglês, para sempre parece ainda mais duradouro, Rs Rs Rs). Mas que foi só um momento; nem breve, nem longo; só um momento. Uma fração de tempo numa trajetória que seguiu pelos cinquenta, tateando novas (e algumas velhas) dúvidas, e chegou aos sessenta com algumas, poucas certezas.  

Ainda bem. Porque é essa habilidade de seguir perguntando por quê? Para quê? Como? E, de novo e sempre, por quê? Essa capacidade de formular peguntas, através do tempo e apesar do tempo, sobre aquilo que ninguém nos conta, mas que são as questões que movem a vida, que nos mantém vivos. Vivos e famintos. Vivos e sedentos. Vivos e aptos e… Ou seria o inverso? Não importa. Vivos e prontos para a próxima etapa.

Então, what is next? (O que vem adiante?)

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Give time to time. I do not know how many times, over the course of my six decades of life, this expression was the answer to my anxieties, my worries. In the form of advice, support, warning, it does not matter: the idea that time heals everything, solves every issue, always punctuated the moments when I did not find answers and / or the answers obtained did not satisfy me. What no one told me and it took me a few years to find out is that 'taking a break' does not mean accommodating in waiting. In the hope that the days pass, a miracle happens and all the questions are clarified, thus, in a snap of fingers, as in a magic trick.

The conversation, last week ,with a friend at least three decades younger than me made me think about it. Six years ago, finding himself unhappy in a large company trainee program, he came to the conclusion that he needed time to know what he really wanted to do professionally. Aware that his family would not support him in dropping everything to embark on what he called a "process of inquiry," he spent a year saving all the money he earned in order to sponsor what he now defines as " the adventure of tracing one's destiny. "

He spent almost three years backpacking around the world. He visited the five continents. Right at the beginning of this journey, he realized that if he did not find a way to work and earn some money, the amount he had would be spent in six months. Then he decided to put up his sleeves; literally.
During that time, he worked as a waiter, butler, receptionist, taxi driver, bricklayer, and whatever he found in the next country that allowed him to earn his living honestly. At the same time, he learned how to cook, sweep, build a wall, meditate, program software, speak Swedish and Mandarin. He returned to Brazil in a cruise, working as a board pianist. And finally, he understood how the eight years dedicated to music studies, during his childhood and part of his teenage years, helped him find his fade.
He landed in Santos (*), convinced of what he wanted to do. It took him another three years working on what apparently had nothing to do with it, to structure and start his own business.

"It took me all this time to test myself, make mistakes, learn, mature and be clear about who I am, where I want to go, and how I want to get there," he says. "A lot of people say it's been a long time." I guess that was what was needed for me to get answers. The answers to the questions I never stopped asking. "

My friend’s last sentence got hammering in my head, while, without nagging, I revisited my own questions. The questions that, over time, moved / still moving my life and whose answers I had / have to seek for myself. Those about which no one tells you and that time simply going by does not respond.

For example: if childhood is the best phase of life, why were there moments - loooooooooong moments - when I felt so unhappy? If adolescence is a transitional period, in which everything that comes from the parents is questioned and often deleted, why did I conceal my rebellion and make the crossing without traumatism (at least for them,mom and dad)? If being 18 determines the end of teenage years and adulthood  starts at age 21, why did I only recognize the end of my teenage years when I were 30? And if it is from that age onwards that the biological clock accelerates in the ticking of  I WANT TO BE A MOTHER! Why did I wait till almost turn to forty to make the statement: I hate children and will never be a mother?

Perhaps because the forties are a moment of awareness, recognition, serenity and fullness. A really full moment that I thought would last forever and ever, but that was only a moment -- neither short nor long: only a moment. A  time fraction in a journey that was followed by the fifties with its new (and some old) doubts, and reached the sixties with some, few certainties.

Good. Because it is this ability to keep asking why, for what and, again and again, why  that keeps us alive. It is this ability to formulate questions, over time and in spite of time, about what no one tells us, but are the issues that move life, that keeps us alive and hungry. Alive and thirsty. Alive and ready for the next step.


So, what is next?

(*) Santos is the port in São Paulo state. 

sábado, 12 de agosto de 2017

Sessentonas diante do espelho / Sexagenarians before the mirror

Espelho espelho meu, existe alguém mais…?  Em tempos de empoderamento feminino (ODEIO essa expressão), a frase-ícone da história de Branca de Neve e os sete anões pode soar anacrônica e até misógena,  mas não há como negar: a relação íntima das mulheres com o espelho permanece incólume através dos tempos. Ela pode até oscilar entre o amor e o ódio, significar sinônimo de vaidade, pretender ser de somenos importância, porém, nunca é pautada pela indiferença.  Pelo menos, não para mim; nem para as mulheres que conheço de perto.
Imagem Google
O encontro com minhas amigas de adolescência, semana passada, corroborou essa percepção.  Já faz dois anos que nos reencontramos, depois de quase quarenta sem contato; portanto, já ultrapassamos aquela fronteira dos sustos do como éramos antes, perto dos vinte,  e ficamos depois, passados os sessenta. Esses sobressaltos hoje se limitam a nossas interações com os próprios espelhos. E há quem, ainda assim, os minimize, como confessou uma das meninas – sim, entre nós, ainda somos meninas – ao contar que não reforma o banheiro de casa de jeito nenhum, porque há uma correlação “misteriosa” entre a cor dos ajulejos, a iluminação do cômodo, e o velho espelho em uma das paredes, que a faz sempre “parecer bem” na imagem que vê refletida.

“O espelho está tão velho, que as bordas já estão até meio manchadas, mas tenho medo de trocá-lo e de não me reconhecer refletida num novo”— comentou às gargalhadas.

Porque a verdade pode ser surpreendente, emenda outra integrante do grupo, que já tem duas netas, e afirma que toda avó perde qualquer senso critico, ao olhar o neto recém-nascido no próprio colo.

“O bebê parece sempre ser a coisa mais linda que você já viu na vida” – diz ela, contendo o riso antes de continuar:

“Até o dia em que, por descuido ou coincidência,  a imagem se reflete num espelho e você se pergunta espantada: quem é essa criança com cara de joelho?...”

Passado o ciclo das gargalhadas, fiquei me lembrando de quantas, tantas, vezes eu mesma estranhei o que vi refletido do lado de lá.  O dia em que cortei o cabelo no estilo pagem e tudo que consegui enxergar foi uma abóbora usando franja. A vez em que congitei aderir à moda cigana, de vestidos florais e cheios de babados, e sai correndo do provador da loja, ao constatar que os modelos me transformavam em algo parecido com um abajur de puteiro. O momento em que me dei conta de que o tempo estava passando: uma ruga no meio da testa, a primeira, uma fenda no meio do caminho, vinte e cinco anos.

Mas antes que eu emburaque em reflexões filosóficas, outra amiga do grupo conta como se confundiu  com a própria imagem em um espelho de uma pequena boutique, em Buenos Aires,  na Argentina. Ela se concentrou tanto em olhar as “zilhões de quinquilharias expostas no pequeno espaço”, que ao chegar no fundo da loja, não se deu conta de que estava diante de um espelho de corpo inteiro. Passou uns cinco minutos pedindo licença para passar  para o outro lado à imagem que dançava em sua frente, achando ser uma mulher que vinha em sentido contrário.

“Só quando mexi na echarpe rosa com a qual sempre viajo e vi o gesto se repetir do outro lado, percebi que aquela moça – que eu estava convencida  -- vinha na contramão, era EU!”

Sua irmã, que também faz parte do grupo, confirma ter testemunhado e rido muito “desse esbarrão virtual”, junto com a dona da loja. Entre brindes de espumante, acrescentamos nossas gargalhadas ao relato quase surreal. Antes que alguém lembre de outra história, pego o espelhinho de bolsa para retocar o batom. Ao mirar o reflexo dos meus lábios pintados de carmim, lembro de um trecho da música-poesia de Arnaldo Antunes, que diz assim: O buraco do espelho está fechado/ agora eu tenho que ficar aqui/ com um olho aberto, outro acordado/ no lado de lá onde eu caí…

Eu e minha vocação para reflexões filosóficas, mesmo quando o tom da conversa é hilário…

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Tell me magic mirror, is there anyone else...? In times of women empowerment (I hate this expression), the iconic phrase of Snow White's story may sound anachronistic and even misogynist, but there is no denying that the intimate relationship of women with their mirror remains unshaken through times. It may even oscillate between love and hate, pretending to be of the slightest importance, but it is never ruled by indifference. At least not for me, or for the women I know well.

 Google's image
The meeting with my teenage friends last week corroborated this perception. It's been two years since we met again, after almost forty without contact; therefore, we have surpassed that frontier of scares of how we were before, near twenty, and how we became after the sixties. These upsets today are limited to our interactions with our own mirrors. And there are those of us who still minimizing them, as one of the girls admitted - yes, among us, we are still girls - when she says she does not remodel her bathroom at all, because there is a "mysterious" correlation between the color of the tiles, the lighting of the room, and the old mirror on one of the walls, which always makes her "look good" in the image she sees reflected.

"The mirror is so old, the edges are already half stained, but I'm afraid to change it and not recognize myself reflected in a new one," she commented laughing.

Because the truth may be surprising, another member of the group says. She, who already has two granddaughters, and states that every grandmother loses any critical sense by looking at the newborn grandchild in her lap.

"The baby always seems to be the most beautiful thing you've ever seen in your life," she says, holding back her laughter before continuing.

"Until the day when, by chance, the image reflects in a mirror and you wonder: who is this child who looks like a knee? ..."

When the cycle of laughter stops, I remember how many times what I saw surprised me myself reflected on the other side. The day I cut my hair to look like Romeo in Zefirelli’s Romeo and Juliet film and all I could see was a pumpkin-wearing fringe. The time when I tried the gypsy fashion of floral and full of ruffles dresses and run out of the store, finding that the models turned me into something like a lampshade. The moment I realized that time was passing: a wrinkle in the middle of the forehead, the first, a crack in the middle of the road, twenty-five years.

But before I deep dive into dramatic reflections, another friend of the group tells how her own image in a mirror of a small boutique in Buenos Aires, Argentina, confused her. She focused so hard on looking at the "zillions of trinkets on display in the little space," that when she reached the back of the store, she did not realize she was standing in front of a full-length mirror. She spent about five minutes asking permission to step over the image dancing in front of her, thinking it was a woman coming in the other direction.


"It was only when I looked at the pink scarf with which I always travel and saw the gesture repeated on the other side, I realized that I WAS the girl - who I was convinced - was coming through the opposite side.

Her sister, who is also part of the 'girls group', confirms having witnessed and laughed a lot of "this virtual bump" along with the owner of the store. Among sparkling toasts, we add our laughter to the almost surreal story. Before anyone remembers another story, I pick up the pocket mirror to remake my lipstick. As I look at the reflection of my red lips, I remember a lyric by Arnaldo Antunes (*)', which roughly translated says: The mirror hole is closed / now I have to stay here / with one eye open, another awake / no side from there where I fell ...

Me and my vocation for philosophical reflections, even when the tone of the conversation is hilarious ...
(*) Arnaldo Antunes is a Brazilian poet and composer.