“As
mulheres são como as águas, juntas se tornam mais fortes”.
Se
a imagem que me vem imediatamente à cabeça, ao ler essa frase, é a de uma
pororoca (*), a foto de uma moça carregando o cartaz com ela manuscrita, numa
manifestação em defesa das mulheres, me faz pensar sobre a forma feminina de
exercer essa força. Na verdade, a reflexão foi provocada por esse e outros flagrantes
usados pela publicitária Rita Almeida, Head de Planejamento da agência F/Nazca,
na palestra sobre empatia a que assisti duas semanas atrás, numa plateia que,
empaticamente, juntou mulheres e homens.
Pororoca - Imagem Google |
Porque
é no dia a dia que perdemos as oportunidades de nos apoiar e fortalecer como
mulheres. Se ao longo da história já demonstramos do que somos capazes em movimentos
épicos, como o das sufragistas, no século XIX; o das feministas, no século XX;
e o das mães que, ainda hoje, ocupam praças para reclamar o direito de enterrar
seus filhos, mortos por ditaduras políticas ou sociais, na vida corriqueira
nós, mulheres, nos dispersamos, ao dar lugar à inveja de colegas que
profissionalmente são mais bem sucedidas do que a gente; ao recalque porque a amiga de todas as horas
perdeu cinco quilos, enquanto ganhamos seis; ao prazer de constatar que aquela
atriz tão insensada ganhou rugas de expressão – ‘o tempo também passou pra
ela’, dizem as más línguas, como se isso pudesse atenuar o desconforto de
encarar as próprias rugas no espelho…
Pororoca -- Imagem Google |
Um
viés do qual muitas vezes não temos consciência, apesar dele nos acompanhar a
vida inteira. Por isso mesmo, ele é tão poderoso e perigoso. Porque faz parte
da mesma cartilha que, até o século XIX, nos proibia de votar; até a primeira
metade do século XX definia o papel de ‘rainha do lar’ como o único que nos
cabia exercer; e que hoje ainda tenta nos tirar o direito de dizer não ao
assédio, à violência, à discriminação.
“Que
exagero, Vera!”, posso até ouvir algumas vozes contemporizando.
Exagero,
não. Apenas uma reflexão sobre quantas vezes, por conta desses desvios aparentemente inocentes, me distanciei, em
vez de me aproximar, de mulheres que tinham tanto para compartilhar e com quem
eu, certamente, tinha muito em comum. Perdi a oportunidade de aprender e
crescer com elas, de rir junto com elas das nossas limitações, de nos alertamos
mutualmente para o que incorporamos desde meninas como pequenos delitos. Sim,
porque é preciso estar alerta; prestart atenção a esse inconsciente coletivo
que muitas vezes nos faz sair por aí distribuindo beijinhos no ombro, em vez de
somar forças e exercer a empatia.
Assim como poetas e
maestros abrem mão dos femininos poetisa e maestrina, acho que podemos abrir
mão da sororidade para exercer uma só empatia.
(*) Pororoca é o encontro das águas do rio com as do mar.
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"Women are like water that comes from
rivers and the sea; together they become stronger."
An
image immediately comes to my mind, while I read this sentence. The image of a
pororoca (*). The photo of a girl in a march carrying the poster with that
phrase handwritten makes me think about the female way of exercising its strength.
In fact, the thought was provoked by this and other examples used by Rita
Almeida, Head of Planning of the F / Nazca Ad agency, in her lecture on
empathy, which I attended two weeks ago as part of an audience that
empathically gathered women and men.
I
thought about the process of putting ourselves on the other’s shoes, which Rita
so well defined as 'empathizing' and brightly associated with the ability of
touching basis with our vulnerabilities to be able to recognize, welcome and
embrace the other. When it touches the female world, the process is called
sorority, a word I do not like, but recognize: its meaning is lacking in the
current scenario of empowerment and re-significations - terms that I do not
appreciate either, even though I fight every day to make them a reality.
Because
it is in the daily basis that we lose the opportunities to support and
strengthen ourselves as women. If, throughout history, we have already
demonstrated what we are capable of in epic movements such as that of the
suffragists in the nineteenth century, that of feminists in the twentieth
century, and that of mothers who still occupy squares today to claim the right
to bury their children, killed by political or social dictatorships, we are
dispersed in everyday life. We disperse strengths when we give space to the
envy of women who are professionally more successful than we are; when we let
ourselves be taken by the jealousy because a coworker lost five pounds while we
gained six; when we embark in the pleasure of realizing that a famous actress
has wrinkles of expression - 'time has passed for her, too,' we say, as if that
might lessen the discomfort of facing our own wrinkles in the mirror...
These
small sins, which I committed for a long time (still do, I must confess!) and,
condescendingly and irresponsibly, attributed (I do not attribute anymore) to
the so-called female nature, result from the same cultural bias that leads us
to accept mischievous comments about women who are victims of sexual or
domestic violence, to laugh at jokes about female characters of a particular
race, religion, age, or gender, and to use offensive terms to his mom, when we
want to curse a man.
A
bias we are often unaware of, even though it is part of our lives for a
lifetime. That's why it is so powerful and dangerous. In fact, it is part of
the same book which, until the nineteenth century, forbade us to vote; until
the first half of the twentieth century defined the role of 'queen of the home'
as the only one we had to play; and that today still trying to take away our
right to say no to harassment, violence and discrimination.
"What
an exaggeration, Vera!" I can even hear some voices temporizing.
It
is not. It is just a thought on how often, on account of these seemingly
innocent deviations, I distanced myself, rather than approaching, women who had
so much to share and with whom I certainly would have much in common. I missed
the opportunity to learn and grow with them, to laugh along with them at our
limitations, to alert ourselves to what we have incorporated since girls as
small sins. Yes, because it is this collective unconsciousness that often makes
us fight each other on bullshit, instead of giving our hands to really build
strength and empathy.
(*) Pororoca
is the meeting of the waters of the river with those of the sea.