“Eu vou sentir saudades disso!”
A reação do meu colega de trabalho à piada que surgiu, ali, espontaneamente, no calor da conversa de um almoço de sexta-feira, interrompeu a gargalhada coletiva e fez todos imediatamente perguntarem:
“Você está se despedindo?”
“Naaão! - ele se apressou em responder. - Só estou prestando atenção nesse momento, porque sei que vou sentir falta dele”.
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E eu me dei conta que também sentiria. Porque ali, naquele pequeno restaurante de bairro, degustando nossas taças de Chardonnay, saboreando tartares e dando muita, muita risada juntos, estávamos compartilhando um momento perfeito. Um momento feliz.
Tão feliz, que ao lembrar dele enquanto escrevo este post, as lágrimas se antecipam antes que eu me dê conta de que estou com vontade de chorar. É verdade que ando um tanto chorona ultimamente, mas, ainda assim, isso me remete a outros pequenos momentos em que, ao longo da vida, experimentei a mesma sensação daquela sexta-feira ensolarada no meio de uma jornada de trabalho.
Momentos triviais como o do café com croissant, que sempre marcava a minha saída do analista e durante o qual, inexoravelmente, eu compreendia algo que ela dissera na sessão (sim, a psi era mulher). E não foram poucas as vezes em que tive vontade de voltar imediatamente ao consultório para discordar dela veementemente. Foram muitas as que pensei em fazer isso, para dizer simples e humildemente: sim, você tem razão. Um dia durante uma sessão lhe contei sobre esses insights e os ímpetos que eles provocavam. Rimos as duas, quando, no momento seguinte, ela mencionou algo que não entendi e falamos ao mesmo tempo: talvez durante o café... Esse diálogo se tornou recorrente durante os vinte anos em que fiquei naquele divã. E eu sabia, no momento em que acontecia: eu iria sentir saudade, muita saudade, dele.
Pequenos momentos. Pequenos e hilários, como o da sessão de cinema, da qual eu e minha amiga Bel saímos às gargalhadas quinze minutos antes de terminar, enquanto toda a plateia soluçava, porque antecipáramos palavra por palavra o melodramático diálogo final; ou o do seminário que, ainda repórter, fui cobrir com outra amiga querida. Para escapar de um admirador que a perseguia, ela deu a desculpa de que estaria trabalhando o sábado inteiro. Qual não foi a surpresa quando deparamos com o sujeito sentado no auditório do seminário, dando adeusinhos pra ele e fazendo perguntas à mesa debatedora? O amor é lindo, pensamos olhando uma para a outra e não conseguimos parar de rir durante a primeira hora do evento. Em ambas as situações, eu sabia: sentiria saudades, muitas saudades, daquelas risadas.
Saudades antecipadas de momentos únicos, como os que compartilhei silenciosamente com minha mãe, quando ela se sentava para fazer consertos em minhas roupas e eu ficava, ali ao lado, só observando sua expressão concentrada e amorosa alfinetando bainhas, repregando botões, alinhavando colchetes. Foram os instantes em que alcancei a definição do amor incondicional e eu sabia que um dia eles me fariam falta.
A mesma falta que eu sentiria dos momentos como os que tantas vezes dividi com meu marido num pequeno bistrô do Leblon, onde à noitinha comíamos sanduíches na baguete, tomávamos uma taça de vinho e depois saíamos caminhando de mãos dadas. Na época, eu nem sabia que caminhar pelo bairro um dia se tornaria uma aventura de risco, mas tinha o senso real de como estar atenta àquela nossa cumplicidade era fundamental para alimentá-la ao longo do tempo, para que aqueles momentos se repetissem (como vêm se repetindo), independente de estarmos no Leblon. O amor faz isso: transforma qualquer lugar em aconchego.
Momentos felizes dos quais não fiz selfies, nem documentei em vídeos, porque não eram, não são grandes acontecimentos. E que teriam passado despercebidos, se, como o meu colega de trabalho que suscitou essa crônica, eu não estivesse atenta. Atenta a esses pequenos fragmentos que tocam a essência da felicidade e que, por isso, precisam ser celebrados no instante em que acontecem. Atenta a essas pequenas memórias que são o sal da vida.