A primeira vez a gente nunca esquece.
Eu sei, a frase é
clichê. Mas quem não se lembra do primeiro dia na escola, da primeira melhor
amiga para a vida toda, da primeira paixão platônica, da primeira langerie, do
primeiro beijo, do primeiro amor para a vida inteira?... Quem não se
lembra de todas essas (e muitas outras) intensas e longínquas primeiras vezes?
Imagem Google |
Sim, senhora!
Lembro como se
fosse hoje. Eu não tinha ainda chegado aos quarenta, viajava distraída no
banco traseiro de um táxi apreciando a paisagem do aterro do Flamengo, no Rio
de Janeiro, quando, de repente, o motorista perguntou: a senhora
tem algum caminho de preferência? Eu estava tão convicta de que ele não
se dirigia a mim, que cheguei a procurar em volta pela senhora que partilhava o
táxi comigo. Acho que teria me assustado menos se houvesse encontrado uma
companheira de viagem ao meu lado, numa época em que nem se sonhava com o
Uber, do que ter constatado que, sim, eu estava sozinha no carro com o
motorista e que, portanto, a dita cuja senhora era EU!.
Confesso: até hoje
ainda me surpreendo com o tratamento, por mais rotineiro que ele tenha se
tornado, desde aquela fatídica e desavisada primeira vez no táxi. Meu primeiro
reflexo continua sendo querer olhar em volta à procura da tal senhora que vêem
em mim e que eu posso até enxergar na imagem refletida nos espelhos e
nas vitrines, mas que não reconheço dentro de mim. De mim, comigo mesma, ainda
sou e me sinto ‘você’— e gostaria que
essa fosse a forma de tratamento que todos usassem quando se dirigissem a mim.
Já consigo, porém, conter a reação instintiva de buscar a ‘tal senhora’ fora de
mim e reagir conformadamnte. Ao ouvir o fatídigo tratamento, engulo em seco,
sorrio e, dependendo da situação e do interlocutor, até respondo: pode me
tratar por você. O que às vezes é pior, porque ouço como resposta:
“Ah! Desculpe! É
uma questão de respeito com os mais velhos”.
Tempos atrás,
conversando com uma amiga querida sobre esse meu estranhamento permanente, ela,
que tem onze anos menos do que eu, me contou nunca ter tido problemas com o tratamento
de senhora, mas que três anos atrás se sentiu constrangida, ao ter que explicar
à vendedora da farmácia que o bebê que trazia no colo e cuja idade ela (a
vendedora) queria saber, não era seu neto, mas sim seu filho. Pior: ao
constatar o embaraço da moça, ainda completou:
"É.. Foi
tarde, mas ainda deu tempo!"
Ao que a vendedora,
entre constrangida e aliviada, respondeu:
"É...
Benza Deus, senhora!"
Isso me faz lembrar
o relato constrangido do meu marido,
sobre a primeira vez em que, no metrô lotado, uma moça se levantou para lhe
ceder o assento. E por mais que ele afirmasse que não era necessário, ela
insistia:
“Por favor, o
senhor deve estar muito cansado”.
E ele se sentia
super bem disposto naquele dia… Isso me faz pensar também na satisfação que uma
amiga de 64 anos experimentou, na fila do cinema, quando lhe pediram documento para comprovar que,
sim, ela tinha mais de 60 anos, portanto, estava exercendo seu direito a pagar
meia entrada.
“Fiquei tentada a
pagar a entrada inteira – me disse ela -- só pelo prazer de parecer ter menos
idade”.
Tudo isso me remete
ao fato de que em dois meses estarei completando 62 anos e que, pela primeira
vez na vida, sou a mais velha do meu círculo de convivência profissional. Há quase nove meses, comecei a trabalhar com pessoas, cuja idade média é de 30 anos, e essa
experiência tem me levado a aprender um bocado sobre a minha atividade em si e
sobre mim mesma. Meus jovens colegas têm desafiado constantemente minha
capacidade de pensar fora da caixa e tenho constatado que meu ponto de vista
mais experiente tem somado. Me sinto renovada a cada dia que compartilho do seu
entusiasmo e feliz em poder contribuir para que ele não esmoreça nos momentos
mais desafiadores, que sempre acontecem em qualquer projeto de trabalho e em
que somos todos testados.
Essa é uma daquelas primeiras vezes que ficarão marcadas para sempre em mim, como ficaram meu primeiro vôo de asa delta, meu primeiro livro publicado, a primeira declaração de amor do meu marido. Sei que são emoções completamente distintas, mas posso garantir: todas muito intensas. Todas tão renovadoras como essa do trabalho, onde até hoje, para minha grata surpresa, ninguém nunca me chamou de senhora.
Essa é uma daquelas primeiras vezes que ficarão marcadas para sempre em mim, como ficaram meu primeiro vôo de asa delta, meu primeiro livro publicado, a primeira declaração de amor do meu marido. Sei que são emoções completamente distintas, mas posso garantir: todas muito intensas. Todas tão renovadoras como essa do trabalho, onde até hoje, para minha grata surpresa, ninguém nunca me chamou de senhora.
Faltando meses para chegar aos 60, descubro seu blog, Vera. Vou acompanhar. O choque que você descreve acima aconteceu bem antes para mim. Tinha 30 e pouquíssimos anos e tomava sol sozinha em Maresias quando um lindo rapaz se aproximou com um cigarro entre os dedos e me perguntou: "TIa, tem fogo?" Vontade de responder que tinha muito, mas me limitei a grunhir um NÃO raivoso. O pior é que, olhando para trás, acho que eu era muito, muito velha mesmo em algumas atitudes. Hoje já não sinto nenhum desconforto ao ser tratada como senhora, embora prefira o você. "Leva-se muito tempo para ser jovem" - Picasso
ResponderExcluirBom de re-encontrar por aqui, Katia. E fico feliz que tenha sido através do 2XTrinta. Concordo plenamente com Picasso.
Excluirlindo texto, emocionante.
ResponderExcluirum abraço.
Obrigada, Dircina
ExcluirEncontrei!!!!!Gratidão
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