“Ando tão à
flor da pele, que qualquer beijo de novela me faz chorar". Tomo emprestado o
verso da canção de Zeca Baleiro, para expressar o estado de espírito que vem
pontuando meus dias. Um misto de frustração e desalento que me assalta, toda vez que acompanho os
absurdos do noticiário.. Uma combinação
de aflição e cansaço que me faz refém da incongruência de fatos consumados.
Chacinas delirantes, arrastões desarvorados, tiroteios insones, estupros com requintes de tortura. Apelos
desesperados de pais, mães, filhos, avós -- todos orfãos. Todos vítimas dessa
guerra espetaculosa, que, além de deixar uma trilha de cadáveres e corpos
mutilados, enche as ruas com a estupefação dos endividados, dos desempregados, dos esfomeados.
Convivo com
esse mosaico de manchetes sangrentas como quem ainda não foi contaminada pela
peste que assola um território. Sempre em sobressalto. À espera e à espreita do
momento em que também serei atingida e engordarei uma dessas estatísticas
tenebrosas. O permanente estado de alerta de quem sabe que, numa situação de
calamidade, o privilégio da imunidade tem seus dias contados. Não adianta
erguer muros, ou expulsar deformados – tombaremos todos.
E é essa
consciência que, paradoxalmente, também me enche de esperança. Saber que a
mesma sina está reservada aos que comandam a ordem do dia com seus mandos e
desmandos. Acreditar que a determinação da maioria – mesmo que,
momentaneamente, silenciosa -- será mais
forte e resiliente para derrubar essas agendas pautadas pela incompetência,
pela truculência, por interesses espúrios, ou tudo isso junto e misturado. A
idade me dá essa confiança; essa sensação de já ter visto este filme antes.
É verdade
que o tempo, muitas vezes, tarda, se alonga muito além do que consideramos
suportável. É verdade também que, outras tantas, aquilo que parece ser é tão
bom, que vira causa e a ela aliamos nossas esperanças e disposição. Até que esmaeçem: as causas revelando suas
verdadeiras intenções; nossa crença e energia transmutando-se em desilusão. São os equívocos que todos que escrevemos
história (s) cometemos. São os acidentes de percurso, não o destino final.
Porque esse
destino, eu sei, eu sinto, mora em algum lugar ensolarado, emoldurado por muito
verde e águas cristalinas. Algum endereço abundante em sombreados para
refrescar as tardes; profícuo em silêncios para embalar as sestas e despertar
cada palavra que precisa ser ouvida. É o chamado lugar ao sol, que tanto
almejamos e buscamos. O lugar que, por direito, pertence a cada um de nós –
esse cada um que forma todos. O lugar que, de fato, precisamos tornar nosso, para
que a ele possamos pertencer, sem as amarras da desconfiança, sem a cegueira da
intolerância.
O lugar que
um certo escriba garantiu: em se plantando, tudo dá; e que, muitos anos depois,
um hino, ouvido às margens plácidas de um certo rio, definiu como pátria amada,
idolatrada! Um lugar que um poeta, que
não era gauche na vida, afirmou ter
palmeiras onde canta o sabiá e que outro, diplomata, chamou apenas de pátria pobrinha,
pátria minha – patriazinha. Um lugar ao qual o maestro e o bardo, em seus
exílios, sabiam: voltariam. Voltariam para ouvir cantar as aves que só aqui
gorjeiam como em nenhum outro lugar.
Que Caminha,
Osório Duque-Estrada, Bilac, Vinícius Tom e Chico me perdoem, mas todas as
minhas palavras são poucas para descrever o que vocês, inspiradamente, cantaram
em versos. Os versos com os quais cresci, que tanto declamei em saraus e tentei
plagiar nas minhas veleidades literárias. Os versos que tatuei na alma, porque
me serviram de bússola quando me ensinaram o sentido de pertencimento. Os
versos que hoje podem estar até calados, mas cujas métricas despertam com o
pulsar dos corações esperançosos como o meu. E se a onomatopéia me permite, aí
vai o que o silêncio encerra:
Pum-bum!
Pum-bum! Pum-bum!
Será só o meu
coração ou há também panelas batendo ao longe?
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I have been
so emotionally frazzled, that even a cheesy soap opera love scene makes me
burst into tears. Even roughly translated with my friend, Patricia Hausberg’s
help, these lyrics still belonging to Zeca Baleiro’s song (*) and I borrow them
to describe my last days’ mood. It has
been a mix of frustration and sorrow that prevails every time I follow the
news; a combination of fear and exhaustion that makes me a hostage of
unbearable facts. Murders, assaults, robberies, rapes. Desperate appeals from
fathers, mothers, kids, grandparents – all of them orphans. Victims of this
broadcasted war that leaves a trial of corpses and mutilated bodies and fill
the streets with in debt, unemployed, starving people.
I live with
this mosaic of bloody headlines as those who, living in a place contaminated by
a plague, have not been infected yet. Someone who is always in alert, waiting
for the moment when one of those tragedies will impact her/his life. Someone who permanently stays awaken, because
she/he knows that the privilege of being immunized does not last when everyone
around is not. You can build walls, you can deport deformed people, but nothing
of that will work out – we all will be defeated.
Paradox or not,
this is what also makes me hopeful. Because I know the same fate is reserved to
the ones who currently own the agenda. I believe that what is right for the
majority will be stronger and more resilient than the incompetency, the truculence
and unethical interests that now guide the ones in charge. It is true that,
many times, the right time seems to be delayed (more than what we consider
bearable) and that the causes that seem to be right disappoint us. Those are
the mistakes that all of us make when writing history/stories. They are
accidents not the ultimate destiny.
This
destiny – I know, I feel – lives somewhere in a sunny place, surrounded by
green forests and crystalline waters. Some quiet place rich in shades to
refresh and lull afternoon naps, to offer the silence voices that are begging
to be heard need. It is the sunny side we all dream of. The place that, by right,
belongs to all of us and, in fact, we need to make ours. It is the only way to
build a sense of belonging that prevails over the current mistrust and
intolerance.
(*) Zeca Baleiro is a Brazilian composer
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