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sábado, 18 de novembro de 2017

Jet Leg em San Francisco

Acordo a uma da madrugada, como se fossem sete horas da manhã. Pulo da cama 'ready for the road' e tomo um susto: meu marido não dorme no outro lado da cama, meu gato Onassis não mia bom dias atrás da porta, um breu substitui a chegada da manhã pelas frestas da veneziana e deparo com um quarto totalmente estranho. Por uma fração sonolenta de segundos,  esqueço completamente que viajei a trabalho e estou em São Francisco -- em um fuso seis horas mais cedo do que o horário de São Paulo. Por uma fração desorientada de segundos, tateio em busca da claridade do dia, sem entender o porquê do desaconchego e da solidão do quarto. 


É com o coração acelerado que alcanço a janela, abro as cortinas, e, através da vidraça, vislumbro as luzes que dão vida à noite dessa cidade que, antes de visitar pela primeira vez, há 15 anos, eu já conhecia e apreciava, através da nostalgia da canção interpretada por Tony Bennetti: 'I left my heart in San Francisco'...  Aos poucos, vou me situando e desacelerando a respiração. Aos poucos, retomo meu próprio pulso, à espera de uma manhã que tardará a chegar, mas que já antecipo dourada -- essa imagem lugar comum que sempre descreve a luz da Califórnia. 


É a quarta vez que volto aqui. E é engraçado como sempre repito esse primeiro susto de estranhamento, causado pelo jet leg, para em seguida aterrissar como se tivesse passado uma boa parte da minha vida nessa cidade. Percorro as quadras gigantes da Market Street, em downtown, como quem tem memórias em cada esquina; subo e desço as ladeiras de North Beach, como se tivesse morado em vários dos seus prédios de arquitetura vitoriana; me aventuro pelos mercados, situados em vários pontos da cidade, como se as barganhas fizessem parte do meu dia-a-dia; me embrenho no nevoeiro das manhãs, como quem advinha cada palmo diante de si. 


Não sei se por causa dos filmes do Hitchcock,  que tantas vezes vi e  ainda revejo, se por conta dos escritores Beat, que li muito jovem e mais tarde tive que reler para entender, ou porque Summertime na voz de Janis Joplin tenha expressado muito da minha vida,   tenho essa intimidade com a cidade. E cada vez que venho aqui revisito essa sensação que mistura alegria e nostalgia, surpresa e reconhecimento.


Não foi diferente dessa vez. E já antecipando o que aconteceu nas anteriores. Sei que amanhã, quando estiver a caminho do aeroporto para voltar pra casa, vou sentir aquele aperto no peito de quem deixa um lugar querido para trás. Como sempre,  vou recitar baixinho o que Tony Bennetti consagrou: 'I left my heart in San Francisco'... 

   


4 comentários:

  1. Essa cidade é linda, e seu relato me fez lembrar de uma frase que dizíamos sempre que sabíamos a pé as ladeiras de SF: " My money back, my money back!". 😊

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  2. É legal San Francisco. Estranha também. Sei lá...

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    1. Não foi por acaso que o velho e bom Hitchcock fez tantos filmes ali.

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