Quem sou eu

sábado, 30 de dezembro de 2017

Um conto (felino) de Natal / A feline Christmas tale

 A estação Brigadeiro do metrô de São Paulo fervilha, às 20.00, do último dia útil, antes do Natal. Transeuntes à caminho de baladas comemorativas se misturam aos que, como eu, querem apenas chegar em casa rapidamente, depois de um dia cheio. Na escada rolante que me leva à saída da Paulista com a Carlos Sampaio, antecipo o prazer de tomar uma chuveirada, bebericar uma boa taça de espumante e começar a me preparar para o Natal e, por que não?, celebrar antecipadamente a chegada de 2018.

Onassis e Péricles - Foto de Vera Dias
Ao chegar ao nível da rua, deparo com um grupo de pessoas que se aglutinam em torno do vão da escada. Ali, um gatinho de menos de dois palmos se encolhe assustado. As pessoas o olham e se perguntam quem o terá abandonado. Me junto a elas e os olhos amarelos do filhote logo me encaram com intensidade. Ele solta uns guinchinhos que pretendem ser miados. Um pedido de ajuda quase inaudível na barulheira típica de um começo de noite, no centro paulistano.

Sinto vontade de chorar, ao vê-lo tão vulnerável. Acuado, o bichinho, tenta escapar em direção aos degraus em movimento. Se seguir em frente, vai certamente se machucar. Me aproximo e, num pulo, o agarro antes que se aventure no próximo passo. Ele se coloca em guarda, fica com o pelo tigrado todo eriçado, solta mais uns guinchinhos, mas, ao se ver seguro no meu colo, logo se acomoda. Escala meu braço e pousa o focinho bem abaixo do meu pescoço. Seu olhar dourado tenta adivinhar minhas intenções.
As pessoas em volta começam a se manifestar:

“Moça, leva ele com você” - diz uma delas.

“Se ele ficar aqui, vai morrer” - completa, enquanto uma outra vai logo emendando:

“Eu já tenho seis gatos e dois cachorros; todos adotados depois de resgates assim, nas ruas. Se não fossem tantos, levava ele pra mim”.

Tento explicar que também já tenho um gato – o Onassis -- um jabuti – o Péricles --  e um marido, chamado Lucillo, convicto de que não devemos ter mais nenhum animal de estimação. Porém, antes de articular qualquer coisa, sou interrompida por uma moça, que se aproxima com um vidro cheio de leite. Através de um conta-gotas,  ela oferece o alimento ao gato. O bichano sorve com sofreguidão as gotas que lhe caem sobre o focinho.

“Achei que ele deveria estar com fome, tadinho! “ - diz ela, aparentemente feliz com a própria iniciativa, enquanto enche o conta-gotas pela terceira vez.

O gatinho lambe os beiços, mas não desgruda do meu colo. Pergunto à moça que o alimenta se não quer ficar com ele, mas ela logo descarta a possibilidade, alegando ser alérgica.

“Não fosse isso, ele já seria meu. Adoro bichos”- completa, me entregando vidro com leite e conta-gotas, como quem delega uma responsabilidade.

Minha responsabilidade.

O gato mordisca o conta-gotas vazio, pedindo mais leite. Peço ajuda a um casal que, durante todo esse tempo, percebi discutindo se deveriam ou não ficar com ele. O rapaz se aproxima, mas não consegue tirar o animal do meu colo. O bichano crava as unhas na minha jaqueta; porém, aceita de bom grado mais doses de leite. O rapaz ri e faz um diagnóstico:

“ Ele não é gato; é gata”

“Como assim?” - pergunta a moça que o acompanha.

“Assim - ele responde, apontando para o traseiro do animal. E isso o faz chegar rapidamente a uma conclusão:

“Não vai dar certo lá em casa” - diz, olhando pra mim. “A Rebeca, a gatinha que temos, só admite machos no território dela” -  explica.
Ao que sua companheira completa:

“Até a mim ela estranha!”.

Isso me faz lembrar da Clementina, a gata que antecedeu o Onassis na minha vida. Apesar de tê-la adotado com apenas três meses e dela ter vivido sozinha comigo durante seus primeiros seis anos, quando me casei, em 2002, ela se convenceu que meu marido era dela e, a partir daí, passou a me tratar como se eu fosse a outra na vida dele... Foi assim até que virasse estrelinha, ao completar 16 anos, em 2012.

Conto essa história ao casal e emendo com a adoção do Onassis – finalmente é minha vez de falar!
Relato como ele foi arremessado, com menos de três meses, sobre um muro com grades de segurança e aterrissou no quintal de um casal amigo com a barriga aberta, sendo quase abocanhado pelo cachorro-dono-do-pedaço.

Um senhor ouve a história e se junta a nós para compartilhar a sua – a da  gata Serafina, que escolheu seu jardim para parir uma ninhada de cinco:

“E eu não tive coragem de me desfazer de nenhum; adotei os seis!”

Uma senhora escuta e logo diz que o seu gato, Veludo, elegeu seu quintal como moradia, depois que a viu brigando com os moleques da rua que zuniam com bichanos pelo rabo.

Enfim, mais pessoas vão se juntando nesse cordel de relatos felinos, e através dele vamos nos reconhecendo como uma comunidade: #gatinhaabandonadanometro. Tacitamente concordamos que, se nenhum de nós pode adotá-la, só arredaremos o pé dali, quando encontrarmos quem o faça. O que nos surpreende é que a hashtag nem precisou ganhar as redes sociais.

Duas histórias depois do relato da dona do Veludo, uma moça, até então silenciosa, conta que seu gato, Bundão, de 19 anos, morrera há dois meses, As lágrimas correm pelo seu rosto, enquanto ela compartilha a saga do felino que recebeu o aumentativo de bunda como nome, porque tinha um traseiro desproporcionalmente maior que o resto do corpo…  

Parecendo entender o que está acontecendo, a gatinha sem dono e,  até então, sem nome, pula do meu colo para o da moça de luto. E ela (a moça), que havia jurado nunca mais adotar bicho algum, imediatamente tira a echarpe do pescoço, para aconchegá-la num abraço,  Entre salva de palmas para a nova dona, a gatinha é batizada de Bundinha e, num gesto imediato, todos  nós da hashtag recém criada nos abraçamos desejando feliz Natal.
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The São Paulo subway Brigadeiro station is crowded at 8.00pm on the last working day before Christmas. Party people who are ready to celebrate cross with those who, like me, just want to get home quickly, after a busy day. On the escalator that takes me to Paulista's exit with Carlos Sampaio, I anticipate the pleasure of taking a shower, sipping a good glass of sparkling wine and starting to prepare myself for Christmas and -- why not? – for celebrating in advance the arrival of 2018 .

As I reach the street level, I stumble across a group of people clustered around the stairwell. There, a kitten less than two-quarters shrinks in fear. People look at him and wonder who had left him there. I join them and immediately notice the puppies’ yellow eyes staring at me. He meows in a baggy way in the middle of the typical noise of an early night in downtown São Paulo.

I feel like crying before his vulnerability.  Scared, he tries to escape towards the moving steps. I realize he will definitely get hurt if he moves ahead. I jump and grab him before he ventures into the next step. He puts himself on his guard, lets out a few more sneaks, but when he feels safe in my lap, he settles down. He rests his snout just below my chin and with with his golden gaze tries to guess my intents.
People around us begin to manifest:

"Girl, take him with you," one of them says.

"If he stays here, he's going to die," another person adds and continues:

"I already have six cats and two dogs; all adopted after such rescues in the streets. If they were not so many, I would take this one with me. "

I try to explain that I already have a cat -  Onassis - a turtle - Pericles - and a husband, named Lucillo,  who is convinced we should not have any more pets. But before I articulate anything, I am interrupted by a girl with a glass full of milk.  Through an eyedropper, she offers it to the cat. The pussy gently sips the drops that fall on his muzzle.

"I thought he should be hungry, poor thing! "- she says, apparently happy with her own initiative, while filling the eyedropper for the third time.

The kitten licks his lips without detaching from my lap. I ask the girl why doesn't she take him with her and she immediately dismisses the possibility, claiming to be allergic.

"If it was not for that, he would already be mine. I love pets "-  she completes, handing me the glass with milk, the eyedropper, and delegating the responsibility.

My responsibility.

The cat nibbles at the empty eyedropper begging for more milk. I ask for help from a couple who, during all this time, I noticed discussing whether or not they should stay with the puppy. The boy gets closer, but cannot get the animal from my lap. The pussy nails my jacket; however, he willingly accepts more milk doses. The boy laughs and makes a diagnosis:

"He's not a he. He is a she."

"How come?" Asks the girl who is with him.

"Like this," he replies, pointing to the animal's buttocks. And that makes him come quickly to a conclusion:

"This will not work at home," he says, looking at me. "Rebekah, the kitten we have, only admits males in her territory," he explains.
To which his companion completes:

"Some times she can not even get along with me!"

It reminds me of Clementina, the cat that preceded Onassis in my life. Although I had adopted her with only three months and she had lived alone with me during her first six years, when I got married in 2002, she became convinced that my husband belonged to her, and from then on she treated me as if I were his lover ... and it was like this until she passed away in 2012.

I tell this story to the couple and link it to Onassis’adoption - it's finally my turn to talk!
I report how Onassis was thrown over a wall with security bars, when he was less than three months, and landed in a backyard with his belly open and bleeding.

A gentleman hears the story and joins us to share his - that of the cat Serafina, who chose his garden to give birth to a litter of five:

"And I did not have the courage to get rid of any; I adopted the six of them!"

A lady listens to him and quickly says that her cat, Velvet, has chosen her backyard as home, after he saw her arguments with the boys next door who used to throw pussies away grabbing them by their tails. .

More people join this string of feline reports, in a way that we quickly recognize ourselves as a community: #subwayabandonnedcat. We tacitly agree that if none of us can adopt the little cat, we will only leave her, when we find someone who can do so. The hash tag hasn’t even had to be posted at social networks.

Two stories after Velvet’s owner's, a till then silent girl, tells us that her 19-year-old cat, Big Butt, had died two months ago. Tears run down her face as she shares the cat's saga --  he received the augmentative of butt as a name, because he had a disproportionately larger rear than the rest of the body...

Seeming to understand what's going on, the, till then, nameless kitten jumps from my lap to the mourning girl's. And she (the girl), who had sworn to never adopt a pet again, immediately takes the scarf from her neck, to embrace the cat in a hug,


Among applauses for her new mistress, the kitten is immediately baptized as Little Butt, and all of us who had recognized ourselves as part of that hash tag community end up embracing each other and wishing Merry Christmas.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Carta a Papai Noel / Letter to Santa Klaus

Talvez porque já seja quase Natal e 2018 já esteja logo ali. Talvez porque essa época do ano me deixe mais sensível do que de costume, um tanto melancólica – quase sentimental. Talvez porque esse misto de emoções me remeta ao encantamento de ir à feira com minha mãe, escolher nosso pinheirinho, para depois tranformá-lo na nossa árvore natalina, num ritual quase religioso que todas as palavras são poucas para descrever.  Talvez por conta de tudo isso (junto e misturado :--), eu me veja aqui ensaiando uma carta para Papai Noel. 

Imagem Google
Eu sei. Faz tempo que sei que Papai Noel não existe. E lembro, exatamente, da decepção e do desalento que senti quando, aos dez anos, fiz essa descoberta. Já havia mais ou menos dois anos que amiguinhos mais velhos cacarejavam a verdade nos meus ouvidos e que adultos, incluindo meus pais, dissimulavam evasivas entre sorrisos-amarelo, quando eu lhes fazia a pegunta à queima-roupa.  Porém, eu me recusava a acreditar nessas evidências. Me negava a aceitar que uma verdade, pra mim, tão absoluta pudesse ser apenas  ‘mais uma história para crianças’ , mais um conto da carochinha. 

Foi quase por acaso que minha certeza evaporou como bolhas de sabão. Numa antevéspera de Natal, na casa da minha madrinha e Tia Dudu onde passávamos todos os Natais (ja mencionei esses Natais em outros posts), entreouvi uma nesga de conversa entre minha prima mais velha, Ana, e a mãe, em que, referindo-se a Papai Noel, a prima adolescente dizia: 

“ Alguém precisa contar a verdade a Verinha, ou ela vai acabar sabendo da pior maneira possível”. 

Não precisei ouvir a resposta cheia de ‘mas mas’ da minha tia, para entender que havia sido enganada todos aqueles anos. Para experimentar a humilhação de ter acreditado tão piamente em alguma coisa que não existia. Para sentir o gosto, que muitos anos depois e guardadas as devidas proporções, entenderia: era o sabor acre e indigesto da traição. Para ver o que eu entendia como confiança reduzido a cacos – a cacos de cristal, impossíveis de colar. 

Sei que estou parecendo melodramática, mas o que posso fazer? Eu me sentia mesmo assim: devastada. De uma tal forma, que me escondi no fundo do quintal para chorar. Chorar por ter sido boba e ter me negado a enxergar o que tantos a minha volta apontavam. Chorar por ter aceitado as evasivas adultas em reação às minhas tentativas de tira-teima, por causa do temor de me decepcionar. Chorar por ter depositado tanta esperança nas longas cartas que eu endereçara ao ‘bom velhinho’ a partir do momento que aprendi a escrever e que, a partir daquele instante, eu sabia: não existia.  Aonde teriam ido parar aquelas cartas? 

Foi no meio de todo esse desconsolo e com a cara inchada e vermelha de tanto chorar, que meu padrinho e tio Leo (também já falei sobre ele em outros posts) me encontrou, ao dirigir-se ao galpão no fundo do quintal em busca de uma ferramenta. Ficou tão desconcertado ao me ver naquele estado, que não disse nada; apenas sentou-se no chão ao meu lado, debaixo da goiabeira. Não sei quanto tempo ele ficou ali, em silêncio, escutando os meus soluços, esperando que as lágrimas se esgotassem e eu me dispusesse a falar. Pra mim, foi uma eternidade, mas ele respeitou o meu tempo.

E ele nem precisou fazer perguntas. Quando, finalmente, consegui articular o que estava sentindo, as palavras surgiram aos borbotões;  vociferando toda a minha raiva, toda a minha decepção, toda a vontade que eu tinha em voltar no tempo e apagar aquele fato da minha vida (de apenas uma década, mas que naquele momento parecia o que eu vislumbrava como ter cem anos!). Entre uma frase e outra, eu batia na mesma tecla: 

“E as cartas  que escrevi ao Papai Noel? Aonde foram parar as cartas?!!!!!!

Assim como os soluços, as palavras também esgotaram. E meu tio, com a sua paciência amorosa, esperou pelo silêncio. Quando se certificou de que ele não seria mais interrompido por nenhum outro rompante, me deu a mão e, ali, sentado sob a goiabeira, me contou que, muitos anos antes, quando lhe contaram a verdade sobre Papai Noel, sofreu tanto, que teve febre durante três dias e passou outros tantos sem comer. Perambulava inconsolável pela casa e, assim como eu, também só se perguntava o que havia sido feito das suas cartas natalinas e de tudo o que havia depositado nelas.  Até que, numa noite, acordou com uma rena batendo no vidro da janela do seu quarto. Ela tinha vindo convidá-lo para visitar o bom velhinho. Ele estranhou e reagiu disparando a verdade: “Papai Noel não existe!”. Ao que a rena refutou: 

“Você está enganado, Leo. Papai Noel existe sim. Existe na nuvem cor-de-rosa da imaginação das crianças”. 

Ele pulou da cama sobressaltado e viu que havia sonhado. Muitos anos depois, encontrou tanto conforto naquele sonho, que incorporou a tal nuvem cor-de-rosa ao resto da sua vida. Não só para abrigar Papai Noel e explicá-lo a seus próprios filhos, mas também para alimentar o seu olhar de menino, a sua alegria  e disposição para continuar soltando pipa com a garotada, a sua sensibilidade para não deixar uma menina inconsolável, mesmo que fosse por ‘uma bobagem’, como poderia parecer a muitos.  Ainda que ela fosse um pouco difícil de convencer e não parassse de perguntar: 

“Mas e as cartas, Tio Leo?!!!! O que foi feito das minhas cartas de Natal?!!!!”  

Tudo bem que Papai Noel pertencesse a esse universo de nuvens cor-de-rosa, que só dependia da minha imaginação acreditar ou não na sua existência e que eu não precisava me sentir melhor ou pior que ninguém ao optar pela crença. Tava tudo certo. Bacana. Mas eu queria saber das minhas cartas!!!! 

“O que foi feito das cartas que escrevi a Papai Noel, Tio Leo?”

Meu tio não se intimidou por não ter uma resposta mágica (como a da nuvem cor-de-rosa). Apenas disse que não sabia o que havia sido feito das cartas que eu escrevera até ali. E afirmou que, na verdade, isso também não importava, porque o que realmente contava eram as cartas que eu passaria a escrever dali pra frente. 

Acho que vem daí o meu gosto pela prosa. Esse prazer de escrever relatos, como se endereçasse missivas a mim mesmo, como se construísse pontes para, ao me reconhecer no destino, poder chegar ao outro. O prazer que -- hoje sei -- descobri lá atrás, através daquelas cartas natalinas que até hoje não sei onde foram parar. O prazer que meu tio Leo não deixou que morresse com a ilusão de Papai Noel. 
Como ele, meu tio, não está mais aqui para que eu possa agradecer o tesouro que me possibilitou guardar, faço deste post a minha carta de Natal: 

“Querido Papai Noel, …” 

 Ou seria?: 

“Querido Tio Leo, neste Natal de 2017, não importa que nuvem cor-de-rosa você habite, …”

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Maybe because it is Christmas and 2017 is already around the corner. Maybe because the holidays season makes me feel more sensitive, a bit melancholic, almost sentimental. Maybe because this mix of emotions refers to that unique enchantment of choosing and decorating the Christmas three with my mom. Maybe because of all of these things together, I find myself drafting a Santa Klaus’ letter.

I know. It has been a while I know Santa does not exist. And I remember my disappointment when, at ten, I discovered the truth, regardless of the fact my older friends had whispered it on my ears so many times and adults, including my parents, had always smiled evasively whenever I tried to ask them the question. Those evidences were not enough. 

It was almost by chance I had to face the reality. I was at my aunt Dudu’s home for the family Christmas celebration (I have mentioned these gatherings in a former post), when I, not on purpose, heard her conversation with Anna, my oldest cousin. Referring to Santa Klaus, Anna simply warned her mother:

“Someone needs to tell Verinha the truth or she will discover it through the worst way possible”. 

I did not need to listen to my aunt’s full of buts answer to conclude people had lied to me all those years and to feel humiliated, disappointed, disregarded. To see the trust I had in them falling apart, as a broken crystal vase you will never pull together again. 

I know this maybe seen as too much drama, but what can I say if I really felt devastated? If I felt so miserable, that I hide myself at the bottom of the backyard where nobody could find me to cry. I simply needed to cry. I had to cry for being a fool who had ever denied evidences. I had to cry for writing so many letters to Santa, sharing my dreams, sharing my hopes. Where, to whom those letters had gone? 

My uncle Leo (about whom I have also written in this blog) found me in the middle of this sorrow, when he headed to the tools house at the furthest end of the backyard. He got so embarrassed in seeing me weeping and sobbing that he did not say a word; he simply sit besides me below the guava. I do not know how long he stayed there silently. I only know that when I stopped crying he was there to listen to all I had to vent. And there he stayed till I got tired and shut up. Then, he held my hand and started telling me how much he also suffered when, many years before, he discovered the truth about Santa. He got a fever, did not eat for three days and, like me, did not stop asking about the letters he had addressed do ‘the old man’. Till the night he woke up with a reindeer knocking at the window to invite him to visit Santa. He immediately said Santa Klaus did not exist and heard back from the reindeer: 

“You are wrong, Leo. Santa does exist. He exists in the pink cloud of children’s imagination”. 

He later realized that the conversation had been a dream. But the point is it made him feel so comforted, that he decided to incorporate that pink cloud to his life. He made that decision not only to house Santa, but also to preserve his boyish glare and keep his sensibility sharp enough to comfort a little crying girl who was suffering for something many adults would define as silly. Even though this girl was not easy to convince and kept asking: 

“What about my letters, uncle Leo?!!!! What was made of them?!!!!”

My uncle did not feel intimidated by his lack of a magical answer. He only said he did not know about the letters I had written till then and that, actually, he was not concerned about them. He said his worries regarded the letters I was up to write from that moment on.

Today I know he discovered my writing gift before I could be aware of it and made what he could to keep it alive regardless of my disappointment with the truth about Santa. As uncle Leo is not around anymore, I cannot thank him. I can only write this post in his memory as a Christmas letter. So, here it goes: 

“Dear Santa…”

Or should that be: 

“Dear Uncle Leo, this is 2016 Christmas and no matter where is the pink cloud you now live in…”

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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Resgatando uma epifania / Rescuing an epiphany

Há pouco menos de um ano, escrevi o texto abaixo em homenagem a uma amiga querida que acabara de iniciar a jornada contra um câncer com potencial avassalador. Esta semana recebi a notícia que a doença está em processo de remissão -- o que é considerado o primeiro estágio da cura. Fiquei tão feliz, tão feliz, que  saí cantando e dançando pelo apartamento. Minha evolução terminou de joelhos, agradecendo, diante da planta, a cheflera, que um dia ela me deu de presente. Publico novamente o post de fevereiro, porque lá, às vésperas do carnaval e do final do horário de verão, ele já antecipava essa alegria que estou sentindo agora. Me sinto feliz, porque acreditei nessa epifania. Estou feliz, porque, em fevereiro, vamos mesmo rasgar a fantasia. 

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Começo a escrever este post, ainda indecisa sobre o tema a abordar – o fim do horário do verão, a proximidade do carnaval, o sonho comigo mesmo, desmemoriada, vagando por São Paulo, ou tudo isso junto e misturado… -- quando recebo pelo celular a notícia: uma amiga muito querida, 53 anos, acaba de ser operada de um câncer devastador e os prognósticos para  ‘daqui em diante’ são desafiadores.  

Muda ao telefone, totalmente incapaz de reagir à notícia que não ouso adjetivar, sento no chão para chorar, silenciosamente, enquanto acabo de ouvir o relato da amiga que temos em comum e que, generosamente, tomou para si a missão de compartilhar  comigo a triste novidade. 
Minha primeira reação, ao terminar a conversa telefônica, é me levantar do tapete e correr em direção ao jardim de inverno, na sala ao lado, para olhar a cheflera que, há quase dezoito anos, ganhei da amiga hoje doente. Me presentear com a planta, foi a forma gentil e delicada que ela encontrou de selar o encerramento de um projeto que conduzimos juntas. Um trabalho muito bem sucedido, que na verdade dependeu muito mais dela do que de mim, mas que nos uniu. Possibilitou que nos reconhecêssemos em muitas idiossincrasias – ela gaguejava e eu suava em bicas, nas situações de nervosismo – ; e que nos identificássemos em muitas emoções e sentimentos,  inclusive, no amor pelos felinos– na época ela era dona da gata Debbie, que lhe lambia as sobrancelhas sempre que a flagrava dormindo, e eu da Clementina, que miava em cadência de ópera chinesa, todas as vezes em que eu chegava em casa depois do horário, que ela, a gata, considerava rotina. 

Em 1999, quando a recebi de presente, a cheflera tinha três palmos de altura. Na pequena sacada do meu apartamento de solteira, em Botafogo (*), ganhou corpo e mais alguns bons centímetros. Até que, em 2002, quando me casei e mudei, foi beneficiada pelo ‘dedo verde’ do meu marido e começou a ganhar a estatura de arbusto que tem hoje. Uma ‘arvoreta’ que, junto com outras plantas, enche de sombra nosso jardim de inverno; refresca os passeios matinais do nosso jabuti, Péricles; e, sempre, sempre me faz lembrar de quem lançou mão dela como forma de celebrar a amizade comigo. 

É olhando para essa planta que viajo numa epifania. Mentalmente, revejo o sorriso da minha amiga, revisito toda a energia positiva que ela sempre transmitiu e me dou conta que ela está ali, tirando uma mecha de cabelo da testa, com o gesto que lhe é tão peculiar, me perguntando, despretensiosamente: ‘sobre o quê mesmo vai ser o seu post deste sábado?’ 

A cheflera de 18 anos 
Diante da minha possibilidade de apenas gaguejar uma tentativa de resposta, ela me interrompe de forma impaciente e  urgente, para retomar o ponto em que, no início deste post, fui interrompida:  

“Shiiiiiii! Hoje, à meia-noite, termina o horário de verão. Portanto, nós, que estamos na porção do país afetada por ele, temos que atrasar nossos relógios em uma hora. Vamos ganhar uma hora a mais para dormir, para sonhar, para olhar o sol quando ele nascer e para aquecer os preparativos para o carnaval, na semana que vem. Não desperdice nenhum segundo, Vera Dias! Se a noite foi mal dormida, assombrada por pesadêlos, pule dessa cama, lave essa cara e tome um café bem forte e quente. Nada que um bom despertar não cure!”. 

…Nada que um bom despertar não cure.

E aqui estou eu diante do espelho; de cara lavada, dentes escovados, saboreando o que restou da xícara de café, enquanto ajusto minha fantasia de colombina. É tão velha que, até começar a pensar no que escreveria neste post, só conseguia resgatá-la em sonhos – ou seriam delirios? – em que eu vagava vestida de cor-de-rosa por uma São Paulo desbotada, sem a memória de mim mesma, ou de onde estariam pierrôs e arlequins… Pois, aqui estou, eu colombina, pronta para a folia. Porque brincar este carnaval é o que posso fazer de melhor para honrar essa amiga, que hoje briga pela vida. Botar o meu bloco na rua em seu nome é a oração que escolhi para pedir aos deuses por essa que sempre me sorri através de uma cheflera. 

Evoé! Querida! Tenho certeza que em 2018 rasgaremos nossas fantasias juntas.
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Less than a year ago, I wrote the post below in honor of a dear friend who had just started the journey against a cancer with overwhelming potential. This week I received the news that the disease is in the process of remission - what is considered the first stage of healing. That made me so happy, so happy, that I sang and danced around the apartment. My evolution ended on my knees, thanking, before the plant, the cheflera, which one day she gave me as a gift. I am publishing again the February post, because there, on the eve of Carnival and the end of day light saving season, it already anticipated this joy that I am feeling now. I feel happy because I believed in this epiphany. I'm happy because in the next Carnival we will rip the costume together.
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I start writing this post not sure about its theme. I do not know if I will approach the end of daylight saving in Brazil, the Carnival season, or the dream I had with myself wandering through São Paulo without knowing who I was. I am up to make a decision when a friend calls me to share that one of our dearest friends, 53 years old, is seriously sick.

Speechless and unable to react to such news, I sit on the floor and cry silently. When the call ends, my first reaction is to stand up and run to the porch in the next room to look at the cheflera my sick friend gave me eighteen years ago. Giving me that plant was her kind way of sealing the closure of a project we run together. A well-succeeded work, which in fact depended much more on her than on me, but bonded us. It brought us the opportunity to better know each other and to recognize ourselves in a lot of things we had in common. 

In 1999, when I received it as a gift, the cheflera was three palms high. On the small balcony of my maiden apartment in Botafogo (*), she gained body and a few more inches. Until 2002, when I got married and moved, and it was benefited by my husband's 'green finger' and began to gain the shrub stature it has today. A 'tree' that, along with other plants, fills our winter garden with shade; Refreshes the morning walks of our jabuti, Pericles; And always reminds me of whoever used it as a means of celebrating friendship with me.

It is looking at this plant that I have an epiphany. Mentally, I review my friend's smile, revisit all the positive energy she has always conveyed and realize that she is there, pulling a lock of hair from her forehead with the gesture that is so peculiar to her, asking me, unpretentiously: About what will be your post this Saturday? 
Faced with my possibility of just stuttering an attempt to answer, she interrupts me impatiently and urgently, to resume the point at which, at the beginning of this post, I was interrupted:

"Shiiiiiii! Today, at midnight, DST ends. Therefore, we, who are in the portion of the country affected by it, have to delay our watches in an hour. We will earn an extra hour to sleep, to dream, to watch the sun rising and to warm up for the carnival next week. Do not waste a second, Vera Dias! If the night was badly slept, haunted by nightmares, jump from this bed, wash that face and have a strong strong coffee. Nothing that a good awakening does not cure! ".

... Nothing that a good awakening does not cure.

And here I stand before the mirror; washed face, brushed teeth, enjoying what was left of my cup of coffee, while adjusting my columbine costume. It is so old that until I started thinking about what I would write in this post, I could only rescue it in dreams - or would they be nightmares? - In which I wandered dressed in pink through a faded Sao Paulo, without the memory of myself, or a clue of where pierros and harlequins would be ... Well, here I am, me = columbine, ready for the revelry. Because playing this carnival is what I can do best to honor this friend, who fights for life today. Putting my block on the street in her name is the prayer that I chose to ask the gods for the one who has always smiled at me through a cheflera.

Horey, my dear friend! I'm sure that in 2018 Carnival we'll rip our fantasies together.

(*) Botafogo – name of a neighborhood in Rio de Janeiro
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