A
estação Brigadeiro do metrô de São Paulo fervilha, às 20.00, do último dia
útil, antes do Natal. Transeuntes à caminho de baladas comemorativas se
misturam aos que, como eu, querem apenas chegar em casa rapidamente, depois de um
dia cheio. Na escada rolante que me leva à saída da Paulista com a
Carlos Sampaio, antecipo o prazer de tomar uma chuveirada, bebericar uma boa
taça de espumante e começar a me preparar para o Natal e, por que não?,
celebrar antecipadamente a chegada de 2018.
Onassis e Péricles - Foto de Vera Dias |
Sinto
vontade de chorar, ao vê-lo tão vulnerável. Acuado, o bichinho, tenta escapar
em direção aos degraus em movimento. Se seguir em frente, vai certamente se
machucar. Me aproximo e, num pulo, o agarro antes que se aventure no próximo
passo. Ele se coloca em guarda, fica com o pelo tigrado todo eriçado, solta
mais uns guinchinhos, mas, ao se ver seguro no meu colo, logo se acomoda.
Escala meu braço e pousa o focinho bem abaixo do meu pescoço. Seu olhar dourado
tenta adivinhar minhas intenções.
As
pessoas em volta começam a se manifestar:
“Moça,
leva ele com você” - diz uma delas.
“Se
ele ficar aqui, vai morrer” - completa, enquanto uma outra vai logo emendando:
“Eu
já tenho seis gatos e dois cachorros; todos adotados depois de resgates assim,
nas ruas. Se não fossem tantos, levava ele pra mim”.
Tento
explicar que também já tenho um gato – o Onassis -- um jabuti – o Péricles -- e um marido, chamado Lucillo, convicto de que
não devemos ter mais nenhum animal de estimação. Porém, antes de articular
qualquer coisa, sou interrompida por uma moça, que se aproxima com um vidro
cheio de leite. Através de um
conta-gotas, ela oferece o alimento ao
gato. O bichano sorve com sofreguidão as gotas que lhe caem sobre o focinho.
“Achei
que ele deveria estar com fome, tadinho! “ - diz ela, aparentemente feliz com a
própria iniciativa, enquanto enche o conta-gotas pela terceira vez.
O
gatinho lambe os beiços, mas não desgruda do meu colo. Pergunto à moça que o
alimenta se não quer ficar com ele, mas ela logo descarta a possibilidade,
alegando ser alérgica.
“Não
fosse isso, ele já seria meu. Adoro bichos”- completa, me entregando vidro com
leite e conta-gotas, como quem delega uma responsabilidade.
Minha
responsabilidade.
O
gato mordisca o conta-gotas vazio, pedindo mais leite. Peço ajuda a um casal
que, durante todo esse tempo, percebi discutindo se deveriam ou não ficar com
ele. O rapaz se aproxima, mas não consegue tirar o animal do meu colo. O
bichano crava as unhas na minha jaqueta; porém, aceita de bom grado mais doses
de leite. O rapaz ri e faz um diagnóstico:
“ Ele
não é gato; é gata”
“Como
assim?” - pergunta a moça que o acompanha.
“Assim
- ele responde, apontando para o traseiro do animal. E isso o faz chegar
rapidamente a uma conclusão:
“Não
vai dar certo lá em casa” - diz, olhando pra mim. “A Rebeca, a gatinha que
temos, só admite machos no território dela” - explica.
Ao
que sua companheira completa:
“Até
a mim ela estranha!”.
Isso
me faz lembrar da Clementina, a gata que antecedeu o Onassis na minha vida.
Apesar de tê-la adotado com apenas três meses e dela ter vivido sozinha comigo
durante seus primeiros seis anos, quando me casei, em 2002, ela se convenceu
que meu marido era dela e, a partir daí, passou a me tratar como se eu
fosse a outra na vida dele... Foi assim até que virasse estrelinha, ao
completar 16 anos, em 2012.
Conto
essa história ao casal e emendo com a adoção do Onassis – finalmente é minha
vez de falar!
Relato
como ele foi arremessado, com menos de três meses, sobre um muro com grades de
segurança e aterrissou no quintal de um casal amigo com a barriga aberta, sendo
quase abocanhado pelo cachorro-dono-do-pedaço.
Um
senhor ouve a história e se junta a nós para compartilhar a sua – a da gata Serafina, que escolheu seu jardim para
parir uma ninhada de cinco:
“E eu
não tive coragem de me desfazer de nenhum; adotei os seis!”
Uma
senhora escuta e logo diz que o seu gato, Veludo, elegeu seu quintal como
moradia, depois que a viu brigando com os moleques da rua que zuniam com
bichanos pelo rabo.
Enfim,
mais pessoas vão se juntando nesse cordel de relatos felinos, e através dele
vamos nos reconhecendo como uma comunidade: #gatinhaabandonadanometro.
Tacitamente concordamos que, se nenhum de nós pode adotá-la, só arredaremos o
pé dali, quando encontrarmos quem o faça. O que nos surpreende é que a hashtag
nem precisou ganhar as redes sociais.
Duas
histórias depois do relato da dona do Veludo, uma moça, até então silenciosa,
conta que seu gato, Bundão, de 19 anos, morrera há dois meses, As lágrimas
correm pelo seu rosto, enquanto ela compartilha a saga do felino que recebeu o
aumentativo de bunda como nome, porque tinha um traseiro desproporcionalmente
maior que o resto do corpo…
Parecendo entender o que está
acontecendo, a gatinha sem dono e, até
então, sem nome, pula do meu colo para o da moça de luto. E ela (a moça), que
havia jurado nunca mais adotar bicho algum, imediatamente tira a echarpe do
pescoço, para aconchegá-la num abraço,
Entre salva de palmas para a nova dona, a gatinha é batizada de Bundinha
e, num gesto imediato, todos nós da
hashtag recém criada nos abraçamos desejando feliz Natal.
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The
São Paulo subway Brigadeiro station is crowded at 8.00pm on the last working
day before Christmas. Party people who are ready to celebrate cross with those
who, like me, just want to get home quickly, after a busy day. On the escalator
that takes me to Paulista's exit with Carlos Sampaio, I anticipate the pleasure
of taking a shower, sipping a good glass of sparkling wine and starting to
prepare myself for Christmas and -- why not? – for celebrating in advance the
arrival of 2018 .
As I
reach the street level, I stumble across a group of people clustered around the
stairwell. There, a kitten less than two-quarters shrinks in fear. People look
at him and wonder who had left him there. I join them and immediately notice the puppies’
yellow eyes staring at me. He meows in a baggy way in the middle of the typical
noise of an early night in downtown São Paulo.
I
feel like crying before his vulnerability.
Scared, he tries to escape towards the moving steps. I realize he will
definitely get hurt if he moves ahead. I jump and grab him before he ventures
into the next step. He puts himself on his guard, lets out a few more sneaks,
but when he feels safe in my lap, he settles down. He rests his snout just
below my chin and with with his golden gaze tries to guess my intents.
People
around us begin to manifest:
"Girl,
take him with you," one of them says.
"If
he stays here, he's going to die," another person adds and continues:
"I
already have six cats and two dogs; all adopted after such rescues in the
streets. If they were not so many, I would take this one with me. "
I try
to explain that I already have a cat -
Onassis - a turtle - Pericles - and a husband, named Lucillo, who is convinced we should not have any more
pets. But before I articulate anything, I am interrupted by a girl with a glass
full of milk. Through an eyedropper, she offers it to the cat. The pussy
gently sips the drops that fall on his muzzle.
"I
thought he should be hungry, poor thing! "- she says, apparently happy with
her own initiative, while filling the eyedropper for the third time.
The
kitten licks his lips without detaching from my lap. I ask the girl why doesn't
she take him with her and she immediately dismisses the possibility, claiming
to be allergic.
"If
it was not for that, he would already be mine. I love pets "- she completes, handing me the glass with milk,
the eyedropper, and delegating the responsibility.
My
responsibility.
The
cat nibbles at the empty eyedropper begging for more milk. I ask for help from
a couple who, during all this time, I noticed discussing whether or not they
should stay with the puppy. The boy gets closer, but cannot get the animal from my
lap. The pussy nails my jacket; however, he willingly accepts more milk doses. The
boy laughs and makes a diagnosis:
"He's
not a he. He is a she."
"How
come?" Asks the girl who is with him.
"Like
this," he replies, pointing to the animal's buttocks. And that makes him
come quickly to a conclusion:
"This
will not work at home," he says, looking at me. "Rebekah, the kitten
we have, only admits males in her territory," he explains.
To
which his companion completes:
"Some
times she can not even get along with me!"
It
reminds me of Clementina, the cat that preceded Onassis in my life. Although I
had adopted her with only three months and she had lived alone with me during
her first six years, when I got married in 2002, she became convinced that my
husband belonged to her, and from then on she treated me as if I were his lover ... and it was like this until she passed away in 2012.
I
tell this story to the couple and link it to Onassis’adoption - it's finally my
turn to talk!
I
report how Onassis was thrown over a wall with security bars, when he was less than
three months, and landed in a backyard with his belly open and bleeding.
A
gentleman hears the story and joins us to share his - that of the cat Serafina,
who chose his garden to give birth to a litter of five:
"And
I did not have the courage to get rid of any; I adopted the six of them!"
A
lady listens to him and quickly says that her cat, Velvet, has chosen her backyard
as home, after he saw her arguments with the boys next door who used to throw pussies away grabbing them by their tails. .
More
people join this string of feline reports, in a way that we quickly recognize
ourselves as a community: #subwayabandonnedcat. We tacitly agree that if none
of us can adopt the little cat, we will only leave her, when we find someone who can do so. The hash tag hasn’t even had to be posted at social
networks.
Two stories
after Velvet’s owner's, a till then silent girl, tells us that her
19-year-old cat, Big Butt, had died two months ago. Tears run down her face
as she shares the cat's saga -- he received the augmentative of butt as a
name, because he had a disproportionately larger rear than the rest of the body...
Seeming to
understand what's going on, the, till then, nameless kitten jumps from my lap to the
mourning girl's. And she (the girl), who had sworn to never adopt a pet again,
immediately takes the scarf from her neck, to embrace the cat in a hug,
Among
applauses for her new mistress, the kitten is immediately baptized as Little Butt, and all
of us who had recognized ourselves as part of that hash tag community end up
embracing each other and wishing Merry Christmas.