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sábado, 30 de dezembro de 2017

Um conto (felino) de Natal / A feline Christmas tale

 A estação Brigadeiro do metrô de São Paulo fervilha, às 20.00, do último dia útil, antes do Natal. Transeuntes à caminho de baladas comemorativas se misturam aos que, como eu, querem apenas chegar em casa rapidamente, depois de um dia cheio. Na escada rolante que me leva à saída da Paulista com a Carlos Sampaio, antecipo o prazer de tomar uma chuveirada, bebericar uma boa taça de espumante e começar a me preparar para o Natal e, por que não?, celebrar antecipadamente a chegada de 2018.

Onassis e Péricles - Foto de Vera Dias
Ao chegar ao nível da rua, deparo com um grupo de pessoas que se aglutinam em torno do vão da escada. Ali, um gatinho de menos de dois palmos se encolhe assustado. As pessoas o olham e se perguntam quem o terá abandonado. Me junto a elas e os olhos amarelos do filhote logo me encaram com intensidade. Ele solta uns guinchinhos que pretendem ser miados. Um pedido de ajuda quase inaudível na barulheira típica de um começo de noite, no centro paulistano.

Sinto vontade de chorar, ao vê-lo tão vulnerável. Acuado, o bichinho, tenta escapar em direção aos degraus em movimento. Se seguir em frente, vai certamente se machucar. Me aproximo e, num pulo, o agarro antes que se aventure no próximo passo. Ele se coloca em guarda, fica com o pelo tigrado todo eriçado, solta mais uns guinchinhos, mas, ao se ver seguro no meu colo, logo se acomoda. Escala meu braço e pousa o focinho bem abaixo do meu pescoço. Seu olhar dourado tenta adivinhar minhas intenções.
As pessoas em volta começam a se manifestar:

“Moça, leva ele com você” - diz uma delas.

“Se ele ficar aqui, vai morrer” - completa, enquanto uma outra vai logo emendando:

“Eu já tenho seis gatos e dois cachorros; todos adotados depois de resgates assim, nas ruas. Se não fossem tantos, levava ele pra mim”.

Tento explicar que também já tenho um gato – o Onassis -- um jabuti – o Péricles --  e um marido, chamado Lucillo, convicto de que não devemos ter mais nenhum animal de estimação. Porém, antes de articular qualquer coisa, sou interrompida por uma moça, que se aproxima com um vidro cheio de leite. Através de um conta-gotas,  ela oferece o alimento ao gato. O bichano sorve com sofreguidão as gotas que lhe caem sobre o focinho.

“Achei que ele deveria estar com fome, tadinho! “ - diz ela, aparentemente feliz com a própria iniciativa, enquanto enche o conta-gotas pela terceira vez.

O gatinho lambe os beiços, mas não desgruda do meu colo. Pergunto à moça que o alimenta se não quer ficar com ele, mas ela logo descarta a possibilidade, alegando ser alérgica.

“Não fosse isso, ele já seria meu. Adoro bichos”- completa, me entregando vidro com leite e conta-gotas, como quem delega uma responsabilidade.

Minha responsabilidade.

O gato mordisca o conta-gotas vazio, pedindo mais leite. Peço ajuda a um casal que, durante todo esse tempo, percebi discutindo se deveriam ou não ficar com ele. O rapaz se aproxima, mas não consegue tirar o animal do meu colo. O bichano crava as unhas na minha jaqueta; porém, aceita de bom grado mais doses de leite. O rapaz ri e faz um diagnóstico:

“ Ele não é gato; é gata”

“Como assim?” - pergunta a moça que o acompanha.

“Assim - ele responde, apontando para o traseiro do animal. E isso o faz chegar rapidamente a uma conclusão:

“Não vai dar certo lá em casa” - diz, olhando pra mim. “A Rebeca, a gatinha que temos, só admite machos no território dela” -  explica.
Ao que sua companheira completa:

“Até a mim ela estranha!”.

Isso me faz lembrar da Clementina, a gata que antecedeu o Onassis na minha vida. Apesar de tê-la adotado com apenas três meses e dela ter vivido sozinha comigo durante seus primeiros seis anos, quando me casei, em 2002, ela se convenceu que meu marido era dela e, a partir daí, passou a me tratar como se eu fosse a outra na vida dele... Foi assim até que virasse estrelinha, ao completar 16 anos, em 2012.

Conto essa história ao casal e emendo com a adoção do Onassis – finalmente é minha vez de falar!
Relato como ele foi arremessado, com menos de três meses, sobre um muro com grades de segurança e aterrissou no quintal de um casal amigo com a barriga aberta, sendo quase abocanhado pelo cachorro-dono-do-pedaço.

Um senhor ouve a história e se junta a nós para compartilhar a sua – a da  gata Serafina, que escolheu seu jardim para parir uma ninhada de cinco:

“E eu não tive coragem de me desfazer de nenhum; adotei os seis!”

Uma senhora escuta e logo diz que o seu gato, Veludo, elegeu seu quintal como moradia, depois que a viu brigando com os moleques da rua que zuniam com bichanos pelo rabo.

Enfim, mais pessoas vão se juntando nesse cordel de relatos felinos, e através dele vamos nos reconhecendo como uma comunidade: #gatinhaabandonadanometro. Tacitamente concordamos que, se nenhum de nós pode adotá-la, só arredaremos o pé dali, quando encontrarmos quem o faça. O que nos surpreende é que a hashtag nem precisou ganhar as redes sociais.

Duas histórias depois do relato da dona do Veludo, uma moça, até então silenciosa, conta que seu gato, Bundão, de 19 anos, morrera há dois meses, As lágrimas correm pelo seu rosto, enquanto ela compartilha a saga do felino que recebeu o aumentativo de bunda como nome, porque tinha um traseiro desproporcionalmente maior que o resto do corpo…  

Parecendo entender o que está acontecendo, a gatinha sem dono e,  até então, sem nome, pula do meu colo para o da moça de luto. E ela (a moça), que havia jurado nunca mais adotar bicho algum, imediatamente tira a echarpe do pescoço, para aconchegá-la num abraço,  Entre salva de palmas para a nova dona, a gatinha é batizada de Bundinha e, num gesto imediato, todos  nós da hashtag recém criada nos abraçamos desejando feliz Natal.
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The São Paulo subway Brigadeiro station is crowded at 8.00pm on the last working day before Christmas. Party people who are ready to celebrate cross with those who, like me, just want to get home quickly, after a busy day. On the escalator that takes me to Paulista's exit with Carlos Sampaio, I anticipate the pleasure of taking a shower, sipping a good glass of sparkling wine and starting to prepare myself for Christmas and -- why not? – for celebrating in advance the arrival of 2018 .

As I reach the street level, I stumble across a group of people clustered around the stairwell. There, a kitten less than two-quarters shrinks in fear. People look at him and wonder who had left him there. I join them and immediately notice the puppies’ yellow eyes staring at me. He meows in a baggy way in the middle of the typical noise of an early night in downtown São Paulo.

I feel like crying before his vulnerability.  Scared, he tries to escape towards the moving steps. I realize he will definitely get hurt if he moves ahead. I jump and grab him before he ventures into the next step. He puts himself on his guard, lets out a few more sneaks, but when he feels safe in my lap, he settles down. He rests his snout just below my chin and with with his golden gaze tries to guess my intents.
People around us begin to manifest:

"Girl, take him with you," one of them says.

"If he stays here, he's going to die," another person adds and continues:

"I already have six cats and two dogs; all adopted after such rescues in the streets. If they were not so many, I would take this one with me. "

I try to explain that I already have a cat -  Onassis - a turtle - Pericles - and a husband, named Lucillo,  who is convinced we should not have any more pets. But before I articulate anything, I am interrupted by a girl with a glass full of milk.  Through an eyedropper, she offers it to the cat. The pussy gently sips the drops that fall on his muzzle.

"I thought he should be hungry, poor thing! "- she says, apparently happy with her own initiative, while filling the eyedropper for the third time.

The kitten licks his lips without detaching from my lap. I ask the girl why doesn't she take him with her and she immediately dismisses the possibility, claiming to be allergic.

"If it was not for that, he would already be mine. I love pets "-  she completes, handing me the glass with milk, the eyedropper, and delegating the responsibility.

My responsibility.

The cat nibbles at the empty eyedropper begging for more milk. I ask for help from a couple who, during all this time, I noticed discussing whether or not they should stay with the puppy. The boy gets closer, but cannot get the animal from my lap. The pussy nails my jacket; however, he willingly accepts more milk doses. The boy laughs and makes a diagnosis:

"He's not a he. He is a she."

"How come?" Asks the girl who is with him.

"Like this," he replies, pointing to the animal's buttocks. And that makes him come quickly to a conclusion:

"This will not work at home," he says, looking at me. "Rebekah, the kitten we have, only admits males in her territory," he explains.
To which his companion completes:

"Some times she can not even get along with me!"

It reminds me of Clementina, the cat that preceded Onassis in my life. Although I had adopted her with only three months and she had lived alone with me during her first six years, when I got married in 2002, she became convinced that my husband belonged to her, and from then on she treated me as if I were his lover ... and it was like this until she passed away in 2012.

I tell this story to the couple and link it to Onassis’adoption - it's finally my turn to talk!
I report how Onassis was thrown over a wall with security bars, when he was less than three months, and landed in a backyard with his belly open and bleeding.

A gentleman hears the story and joins us to share his - that of the cat Serafina, who chose his garden to give birth to a litter of five:

"And I did not have the courage to get rid of any; I adopted the six of them!"

A lady listens to him and quickly says that her cat, Velvet, has chosen her backyard as home, after he saw her arguments with the boys next door who used to throw pussies away grabbing them by their tails. .

More people join this string of feline reports, in a way that we quickly recognize ourselves as a community: #subwayabandonnedcat. We tacitly agree that if none of us can adopt the little cat, we will only leave her, when we find someone who can do so. The hash tag hasn’t even had to be posted at social networks.

Two stories after Velvet’s owner's, a till then silent girl, tells us that her 19-year-old cat, Big Butt, had died two months ago. Tears run down her face as she shares the cat's saga --  he received the augmentative of butt as a name, because he had a disproportionately larger rear than the rest of the body...

Seeming to understand what's going on, the, till then, nameless kitten jumps from my lap to the mourning girl's. And she (the girl), who had sworn to never adopt a pet again, immediately takes the scarf from her neck, to embrace the cat in a hug,


Among applauses for her new mistress, the kitten is immediately baptized as Little Butt, and all of us who had recognized ourselves as part of that hash tag community end up embracing each other and wishing Merry Christmas.

5 comentários:

  1. Adorei o Happy End dessa pequena saga felina ... Fico feliz que voce fez parte dessa linda historia. Nossos felinos tem muita sorte, e vivem melhor que muitos humanos... Mas acho que eles merecem. Oh, marquei de ligar pra voces em 14 de janeiro, para a grande celebracao do centenario do seu Gomes .. Ate la... Feliz Ano Novo Cyberzinha!!!

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  2. Que bom, uma nova vida para a gatinha, tudo a ver com Natal!

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  3. Só agora fui ler essa delícia de relato. Pena que o Onassis perdeu de conhecer a Bundinha! :D

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