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sábado, 13 de janeiro de 2018

Os cem anos possíveis / The possible centennial


Ontem, meu pai fez cem anos. Ao contrário do que eu vinha planejando, não celebramos seu centenário com o almoço para cem pessoas de diferentes gerações, que, de alguma forma fizeram/fazem parte da vida dele. Minha mãe caiu seriamente doente, foi hospitalizada pouco antes da véspera de Ano Novo e isso determinou a mudança de planos. 

Meu pai, cem anos e um dia -- Foto: Vera Dias
Das dez décadas que meu pai viveu até aqui, mais de seis foram ao lado da minha mãe. Os dois têm mais tempo de vida juntos do que já viveram sozinhos. E nessa jornada de companheirismo, um sempre viveu em função do outro. Faz tempo que os defino como ‘meus passarinhos’ e que testemunho: sua alegria de viver está relacionada às pequenas rotinas em conjunto — aspergir água no outro, depois de molhar as penas ao beber água; comer alpiste junto na mesma cumbuca; bicar o cangote quando o outro dorme ou está distraído, simplesmente para dizer —Oooii! Eu estou aqui!
Meu pai e minha mãe um ano atrás 

As rotinas podem não ser exatamente essas, mas me lembram esses rituais de piriquitos em viveiros. Não me recordo mais, quando comecei a vê-los assim. Em que momento, precisamente, eles deixaram de ser meus pais, para se tornarem meus filhos — um processo que se intensificou nos últimos três anos e que fui, apavoradamente, abraçando, assumindo. Logo eu, que nunca quis filhos... 
Só sei que quando me dei conta, já estava assim: tomando providências para que não faltasse água, nem alpiste; para que a luz e o calor do sol alcançassem a gaiola na hora e intensidade certas; para que atenção e carinho estivessem sempre presentes. 

Aprendi a.tomar conta. Ainda que contratando cuidadoras-anjos-da-guarda, para preservar-lhes a casa onde sempre viveram, a rotina que com os anos avançando serviu como ancora. Ainda que estando muitas vezes ausente, para ganhar um dinheiro a mais, a fim de garantir esse ninho. Porque minha mãe sempre disse: quem ama cuida. Eu diria que, tendo que cuidar, descobri conjugações do verbo amar que até então desconhecia. 

E foi conjugando esse verbo, que ontem celebrei o centenário do meu pai. Comemoramos não da forma desejada e planejada,  e que definitivamente ele merece, mas da forma possível. Apesar da ausência da minha mãe, apesar da saudade que sentimos dela, apesar de todos os pesares. Afinal, como disse meu pai, antes de apagar as velinhas: “são cem anos e eu ainda estou vivo”. 

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Yesterday, my father completed one hundred years old. Despite of what I had been planning, we did not celebrate his centennial with a lunch for one hundred people of different generations, who somehow were / are part of his life. My mother fell seriously ill, was hospitalized shortly before New Year's Eve and that determined the change of plans.

Yesterday, we just gathered a few friends around for a piece of cake. We did it for him, for her, who would never agree not to celebrate this moment, and for me - that I am here trying to manage this mix of emotions, which brings sadness, longing, frustration, uncertainty and fear about the future.

Of the ten decades my father has completed, more than six he lived in my mother's side. The two of them have more time together than they have ever lived alone. And in this journey of fellowship, one always lived by the other. I have long defined them as 'my little birds' and could see: their joy of living is related to the small routines they follow together - sprinkling water on the other, after wetting the feathers when drinking water; eat canary seed together in the same bow; Peck when the other sleeps or is distracted, simply to say: Hi!! I am here!

The routines may not be exactly these, but they remind me of these rituals of parakeets in nurseries. I do not remember when I started seeing them like this. At what point, precisely, they have ceased to be my parents, to become my children - a process that has intensified in the last three years and which I have been terrifyingly embracing, assuming. Me, who never wanted to be a mother ...
I only know that when I realized it, it was already this way: taking care that there was no shortage of water or canary seed; so that the light and heat of the sun reached the cage at the right time and intensity; so that attention and affection would always be present.

I learned how to take care. Although hiring caretakers-guardian angels, to preserve the house where they have always lived, the routine that with the years advancing served as an anchor. Although not being present all the time, as I needed to make money to afford and secure this nest. Because my mother always said: who loves cares. I would say that, having to take care of them, I discovered  how to conjugate  the verb to love in ways I have never known till then. 


And it was conjugating this verb, that yesterday I celebrated my father's centennial. We celebrated it not in the desired and planned way, and that definitely he deserves, but in the possible way. Despite my mother's absence, despite our homesickness, despite all the regrets. After all, as my father said, right before we started singing happy birthday to him:  "I am one hundred years old and still alive."




9 comentários:

  1. É bem vivo! Foi muito bom ter compartilhado com ele e com você este momento. E ... "Vamo que vamo"!!!

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  2. Verinha! Parabéns ao Sr. Gomes pelo centenário. Parabéns a você pelo cuidado e amor que tem por eles. Parabéns pela singularidade do texto. E o desejo que sua mãe retorne rapidamente ao ninho seguro dela, ao lado do Sr. Gomes 💝💝💝💝🌷🌷🌷

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  3. Belo texto, Verinha. Tenho pensado muito nisso. Minha mãe já está dependente de meu alpiste. Meu pai já não precisa mais. Ele já é alpiste. Bjs.

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  4. Em tempo: meu login é bom bril. Mas sou o Paulo Fernando. Paulinho JS.

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    1. Sei quem é vc, Paulinho. Grandes recordações dos tempos em que cobramos o Cesgranrio -- vc pelo JS, eu pelo Globo. Enfim, já te respondi no comentário do FB: só os fortes conseguem prover alpiste com alegria, mas só os iluminados são capazes de usar metáfora tão poética para a morte paterna.

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  5. Parabéns pelo amor aos seus pais, Vera. Amar é cuidar, sábias palavras de D. Lydia. Parabéns para seu pai!

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    1. Você, Crisantema, tanto quanto eu, sabe: nem sempre é fácil, mas quem consegue, descobre o amor possível em sua plenitude :--)))

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