Em falta. Tão em falta quanto o sabão líquido preferido que sumiu das prateleiras do supermercado e quando você pergunta ao atendente, ele te diz: Ah! Tá em falta!
A brincadeira que meu marido faz para me dizer que ando correndo demais, trabalhando demais, e dando atenção de menos a ele, ao nosso gato, ao nosso jabuti, ao nosso pequeno jardim, enfim, a nossa vida juntos, não provoca a gargalhada esperada. Nessa manhã chuvosa, em que cronometro os minutos, para me fazer apresentável, ir ao médico e depois correr para o trabalho, a única coisa que consigo escutar é que estou em falta. E isso me faz refletir sobre onde mais ando deixando a desejar. A lista não é pequena.
Ando em falta com a minha mãe, que há 70 dias tenta se recuperar de um AVC, hospitalizada em outro estado, e que só consigo visitar mensalmente. O trabalho e o sustento da família estao em São Paulo e por mais que o coração aperte e a culpa martele a minha cabeça, não há resistência física e bolso que sustentem ponte-aéreas todo fim de semana.
Ando em falta com o meu pai, que, aos cem anos e depois de 62 de vida compartilhada com ela, tenta se acostumar com a sua ausência, agarrado à esperança de que um dia ela voltará pra casa como se nada tivesse acontecido.
“Sei que irei à Fátima pagar a promessa pela recuperação dela”, afirma ele, nos momentos de otimismo. E quem sou eu pra dizer a esse senhor centenário que a sua determinação fervorosa não passa de uma ilusão? Me sinto em falta. Em falta com a fé que consola meu pai. Em falta com qualquer credo que mitigue esse meu desalento.
Em falta. Ando em falta com meus amigos. Esqueci do lançamento do livro da amiga querida, que teve a coragem de trilhar um novo caminho profissional aos 62 anos. Não retornei a ligação do amigo que acabou de ser demitido e está precisando de apoio. Ainda não consegui marcar o almoço com a amiga que retornou de um longo período no exterior, de quem senti tanta saudade e com quem tenho tanto para trocar.
Ando em falta com as caminhadas que costumava fazer e que além de movimentar as articulações do meu corpo, me alimentava a alma com os devaneios que só são possíveis quando esvaziamos o pensamento para focar no agora. Um passo de cada vez, aqui e agora. Quase um mantra de meditação. Oooooonnnn!
Em falta. Estou em falta comigo, porque tudo Isso junto e misturado me faz muita falta. Se materializa nessa saudade intensa e permanente que me acompanha a cada dia, todos os dias. Saudade do meu pai, da minha mãe, dos meus amigos, dos meus pequenos rituais de relaxamento. Saudade de estar mais presente nas vidas do meu gato, do meu jabuti e, sobretudo, do meu marido que, amorosa e pacientemente, sempre me acolhe e abriga no retorno das minhas ausências. No aconchego do seu abraço sempre agradeço por estar em casa. E como é BOM (com maiúsculas) ter uma casa para voltar, depois de tantas ausências.
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Lacking. As missing as the favorite liquid soap that has disappeared from the shelves of the supermarket and when you ask the clerk, he simply says: Ah! It's missing!
The joke that my husband makes to tell me that I'm rushing too hard, working too much, and giving less attention to him, to our cat, to our turtle, to our little garden, in short, to our life together, does not cause the expected laughter. In the rainy morning, when I clock the minutes, to make myself presentable, go to the doctor and then run to work, the only thing I can hear is that I'm missing. And that makes me reflect on where else I am not corresponding to the expectations. The list is not small.
I'm missing my mother, who has been trying to recover from a stroke for 70 days, hospitalized in another state, and that I can only visit on a monthly basis. The work and livelihood of the family are in Sao Paulo and no matter how much my heart squeezes and the guilt hammers my head, there is no physical resistance and pocket that can afford shuttles every weekend.
I'm missing my father, who, at the age of 100 and after 62 years of life shared with her, tries to get used to her absence, clinging to the hope that one day she will return home as if nothing had happened.
"I know I'm going to Fatima to pay the promise for her recovery," he says in optimistic moments. And who am I to tell this hundred year old gentleman that his fervent determination is an illusion? I miss it. I miss the faith that comforts my father. I miss a belief to mitigate my discouragement.
Lacking. I'm missing my friends. I have forgot the book launch of my dear friend who has had the courage to take a new career path at age of 62. I did not return the call from the friend who has just got fired and is in need of support. I still can not book lunch with my friend who has returned from a long period abroad, whom I have missed so much and whom I have so much to change.
I miss the walks I used to do and that in addition to moving the joints of my body, fed my soul with daydreams that are only possible when we are able to empty our heads of thoughts to cease the moment. One step at a time, here and now. Almost a meditation mantra. Oooooonnnn!
Lacking. I'm missing myself, because all of this together is part of me. It materializes in this intense and permanent longing that follows me each day, every day. I miss my father, my mother, my friends, my little rituals of relaxation. I miss being more present in the lives of my cat, my jabuti and, above all, my husband who, lovingly and patiently, always welcomes and shelters me back from my absences. In the warmth of his embrace, I always feel grateful for being at home. And how GOOD (in caps) it is to have a home to return to after so many absences.
Texto lindamente sincero, Vera, sincero aos olhos de quem lê mas sobretudo sincero com você mesma. A consciência desta falta pode ser uma constatação, somente? Uma reflexão para mudanças? Ou simplesmente o belo reconhecimento final da volta para casa com direito a um bom marido, um jardim, um gato e um jabuti de 70 anos (!) e pais frágeis que tudo que pedem hoje é amor? Frase sublime: "me alimentava a alma com os devaneios que só são possíveis quando esvaziamos o pensamento para focar no agora." Muito bom te ler. Leticia Constant.
ResponderExcluirLegal saber que tenho você como leitora, Leticia
ExcluirOlá Vera
ResponderExcluirSeu texto sinalizou também estou em falta comigo...obrigada
Lindo lindo lindo lindo
ResponderExcluirEu sei que e difícil mas você está fazendo o que pode e não é possível fazer mais do que se pode. Tá "barra" mesmo. Mas você está fazendo o que pode.
ResponderExcluirBelo e profundo texto, Vera! Não dá pra você forjar uns blocos de tempo em sua agenda para dedicar-se plenamente a essas pessoas tão essenciais em sua vida? Às vezes a gente consegue...
ResponderExcluirQuerida estamos com voce sempre ... esteja voce presente ou em falta. A amizade e o amor entendem e aceitam esses deslizes momentaneos.
ResponderExcluirOi minha amiga muito querida, para mim, vc está dando é conta desse turbilhão! Sem culpa, sem falta.
ResponderExcluirVera, muitas vezes a gente tem tempo... e não aproveita. Não se culpe, saboreie os minutos.
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