Moça! Essa vaga é reservada para idosos!”
A observação do segurança do shopping me
surpreende no meio da manobra e é ainda com a ré engatada que saco o cartão de
identificação de idoso do porta-luvas para mostrar a ele.
Cheio de autoridade, ele reage:
Imagem Google |
A exigência me faz puxar o freio-de-mão, antes
de acabar de estacionar o carro. Surpresa e, ao mesmo tempo, confusa com a
situação, pergunto:
“Como assim?!”
Zeloso do seu dever, ele explica compenetrado:
“Pra comprovar a terceira idade, moça”.
Ainda duvidando do que estou ouvindo, lhe
entrego a carteira de habilitação que, atabalhoadamente, busco dentro da bolsa.
Numa fração de segundos, viajo no tempo. Me vejo acendendo o primeiro cigarro,
aos 12 anos, para provar a todos e a mim mesma que a infância havia ficado para trás e que eu estava habilitada a frequentar aquele grupo seleto de meninas de quinze que, maduras e experientes - assim me pareciam - se juntavam no fundo da
cantina do colégio para fumar e filosofar. Sim, por incrível que pareça,
o cigarro já foi sinônimo de emancipação e num tempo em que as relações
se davam no mundo real - o virtual só existia na imaginação - ele, o cigarro
compartilhado, era o passaporte de acesso ao universo adulto.
Volto à época em que, aos 15 anos, respirava
fundo, subia num salto alto e me enchia de atitude para entregar o ingresso ao
porteiro do cinema, a fim de convencê-lo de que, sim, eu já tinha idade para
assistir a um filme proibido a menores de dezoito. E de como, aos dezessete, o batom vermelho, a
mecha de cabelo elaboradamente jogada sobre um dos olhos e o vestido preto de
veludo molhado eram a caracterização necessária para ter acesso à balada que só
as amigas de vinte e um podiam frequentar. Estar com elas ali era a prova irrefutável
de que eu já era, sim, uma mulher feita.
Foram poucas as vezes em que, apesar de todos
esses esforços, não me pediram o comprovante de identidade para provar que eu
tinha a idade compatível para performar baforadas de fumaça na hora do recreio,
assistir a duas sessões seguidas de ‘A primeira noite de um homem’ e para
dançar de rosto colado a trilha romântica do momento. ‘ I started the joke’...
Em tempos em que Netflix e Sportfy eram
delírios de ficção científica, era assim que se atravessava a adolescência. E
foram muitas as situações em que, frustrada, humilhada, envergonhada e, em meio
à intensidade de tantos outros ‘adas’ típicos da fase teen, tive que
girar nos calcanhares em direção oposta à da cantina do colégio, da sala
de cinema ou da boate da vez.
Nessas circunstâncias em que meus disfarces não
convenciam e eu era obrigada a aceitar e a assumir minha menor idade, eu
espumava revolta e raiva, ao me ver barrada nos portais do mundo adulto; nas
passagens para o que eu considerava ser o eldorado. E se, naqueles momentos,
alguém me dissesse que chegaria o dia em que eu me divertiria ao ter que
comprovar minha senioridade, eu certamente esbravejaria contra ao que, então,
pareceria uma reles tentativa de consolo.
A expressão desconcertada do segurança do
shopping diante do que lê no meu documento e sua voz titubeante me trazem de
volta ao agora.
“Moça, quer dizer...Se-se-senhora - ele
gagueja, enquanto me devolve o documento e o cartão de idoso - me
desculpe, mas você, que-quer dizer, a se-senhora não parece”...
“Naaaão?!” - me pergunto em silêncio, enquanto ele inspira e expira para emendar a explicação:
“É que tem muitos jovens que vêem pra cá com o
cartão de idoso dos pais, para usarem as vagas e ...”
Minha gargalhada interrompe sua justificativa.
Na verdade, o deixa tão sem graça, que ele coloca um ponto final na frase
inconcluida. Começa a gesticular, na tentativa de disfarçar o desconforto. Se agarra ao pretexto de ajudar quem acaba de revelar-se 'uma senhorinha' na manobra final para estacionar. Sem
conseguir parar de rir, sigo suas instruções até alinhar o carro.
Quando saio do veículo, ele já não está
mais ali. Girou rapidamente nos próprios calcanhares, para livrar-se da saia
justa em que julgou ter se metido. Mal sabe a viagem que me proporcionou e o
prazer com que agora guardo minha CNH, retoco o batom vermelho e sigo para
dentro do shopping. Sim, o batom permaneceu ao longo do tempo; não mais como
disfarce, mas como marca registrada. Uma espécie de assinatura de quem não nega
mais a idade: sim, senhor, eu tenho 62 anos.
muito gostosa a crônica. Parabéns pelo elogio indireto do guarda :D
ResponderExcluirComemore e aproveite!!
ResponderExcluirÉ bom, né? rs
ResponderExcluirMuito bom!!!! Muito legal quando não aparentamos a nossa idade! Isso é sinal que estamos gata e não gostosa!!!!❤️😰😘
ResponderExcluirMuito bom cuidar da saúde física e mental.parabéns
ResponderExcluirAdorei Cyberzinha ... Voce experimentou o lado prazeiroso do reverso das nossas experiencias juvenis ... Bjs
ResponderExcluirDelícia! Sacou a CNH para comprovar a maior idade. Amei Verinha!
ResponderExcluirMuito bom! Já passei por parecido na fila do supermercado e do banco logo que fiz 60 anos.Ainda meio desacostumada a usar a fila do idoso fui abordada por duas pessoas dizendo que estava na fila errada.Tomei como elogio kkk.
ResponderExcluirPor duas vezes duvidaram dos meus duas vezes trinta. Diante de uma das catracas que dão acesso à Concha Acústica do TCA (em Salvador) apresento o meu ingresso de meia entrada e o porteiro, olhando para a minha cara, certamente pensando, “te peguei mentirosa”, me pediu a identidade. Foi rindo que saquei a mesma da bolsa e mostrei para o sujeito, que envergonhado me pediu desculpas. A outro vez foi no momento da compra da meia entrada para o cinema, e o cara me pediu a carteira de estudante.
ResponderExcluirGostei muito da sua crônica. Me lembrei de quando tinha 17 anos e fui barrada no cinema por conta da idade, no entanto já era casada e tinha uma filha. Era muito engraçada a situação. Quero saber quando vão tirar a logo que simboliza os idosos: a figura de uma pessoa envergava e com uma bengala em uma das mãos. O mundo evoluiu e o idoso também.
Que maravilhosa a sensação de que continuamos jovens.Seu artigo é muito bem estruturado, galante,envolvente.Parabéns.
ResponderExcluirDmaissss. Ameiiiiiii
ResponderExcluirTenho 65.minha historia..acontece comg .
É bom não comemorar muito....dá que resolvem alterar a idade mínima para 80 anos.....kk
ResponderExcluirEu acho o máximo ter este cartaz de idosa para estacionar. Pelo menos algumas coisas positivas nesta terceira idade...��������63 bem vividos. Espero 1 ano e 9 meses para tirar cartão de idosa para andar de ônibus de graça. Aqui em BH 65 anos.
ResponderExcluirÉ....estou aprendendo a lidar com isso. Tenho 51 anos, faço 52 daqui a dois meses. Embora eu aparente ter menos, fico me perguntando por que envelhecer. Mas tudo bem. Estou viva...sou amada e nada mais importa. Sigo em frente rumo aos 60...70...o que Deus permitir!
ResponderExcluirTão bom ser chamada de moça!
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