No
momento em que acabamos de acompanhar tantas histórias de superação nas
Olimpíadas 2016 e estamos às vésperas de testemunhar o verbo superar-se ser
conjugado em cada competição das Paralimpíadas, tomo conhecimento da história
da jornalista Valquíria Liz Sganzerla (*),
58 anos, que, num exercício diário e anônimo de desafiar os próprios limites,
convive há mais de duas décadas com os sintomas de uma escleróse múltipla --
doença neurológica auto-imune e sem cura, cuja evolução pode levar à paralisia
total.
Mais do que sobreviver à enfermidade, convivendo com as limitações que ela lhe impõe, Valquiria resiste. Resiste à tentação de deixar-se vitimizar. Resiste ao medo das potenciais restrições que ainda podem acometê-la no futuro. Resiste à acomodação de rotular-se doente e, por conta disso, deixar de apreciar o que a vida ainda tem a lhe oferecer.
Mais do que sobreviver à enfermidade, convivendo com as limitações que ela lhe impõe, Valquiria resiste. Resiste à tentação de deixar-se vitimizar. Resiste ao medo das potenciais restrições que ainda podem acometê-la no futuro. Resiste à acomodação de rotular-se doente e, por conta disso, deixar de apreciar o que a vida ainda tem a lhe oferecer.
E é
essa resistência que faz dela uma espécie de atleta. Uma atleta às portas dos
60 anos, que não busca quebrar recordes ou ascender a pódios, mas que treina obstinadamente
o aprimoramento das próprias emoções, para que elas não a surpreendam com
armadilhas de autocomiseração. Armadilhas que minem seu sistema imunológico
contra a progressão da doença. Armadilhas que a impeçam de ser feliz aqui e
agora.
Mas
como ser feliz aqui e agora, quando caminhar mais de cem metros já se tornou
impossível, equilibrar uma bandeja virou prova olímpica e gestos simples como o
de fechar a tarracha de um brinco transformaram-se em algo inexecutável?
É
Valquiria quem responde e de forma simples:
“Aprendendo
a só dar importância às coisas que realmente merecem ser importantes”.
Um
aprendizado que ela pretende compartilhar no livro ‘Que falta faz um corrimão' a
ser publicado em breve. Não como receita de autoajuda, mas como processo construído
passo a passo, a partir de cada emoção vivida nos últimos vinte anos, por mais doídas
e contraditórias que tenham sido; a partir da percepção alimentada pela
observação de si e do outro – prática inerente ao exercício do jornalismo,
aplicada aqui ao esforço de não confinar-se em torno do próprio umbigo.
Ao
ouvir a jornalista descrever esse processo e contar como, ao longo do tempo,
abraçou cada uma de suas etapas, em uma tarde regada a café, algumas lágrimas e
muitas risadas, me dou conta de como ainda estou engatinhando nesse aprendizado,
apesar dos meus 59 anos sem problemas de saúde. Como ainda me falta
discernimento para deixar de dar importância a coisas irrelevantes e como esse
apego ao que não é essencial, tantas vezes, me impede de ser feliz aqui e
agora.
Porém,
percebo algo importante a partir da conversa com a jornalista que, acho, vale a
pena compartilhar aqui. Valquíria é feliz, simplesmente, porque está viva. E,
na sua determinação de atleta, não precisa de medalhas; a vida basta. Eu,
aprendiz em treinamento, ainda me deixo fascinar pelo brilho efêmero dos
pódios; e, muitas vezes, na cobiça por
medalhas, esqueço de celebrar e agradecer pela vida que tenho aqui e agora.
Fico
aguardando o livro, Valquíria -- esse seu corrimão afetivo -- para me ajudar a me exercitar no próximo passo
e quem sabe, até os 60, aprender a ser feliz com o que tenho.
(*) A jornalista Valquíria Liz
Sganzerla pode ser contatada através do Facebook: http://facebook.com/valquirializsganzerla
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When we have watched so many 2016
Olympic overcoming limits stories and are up to watch many others during the
Paraolympic games, I am told Valquiria (*) Liz Sganzerla’s saga – a 58 years old
journalist who challenges her limits daily in the effort of surpassing the
restrictions imposed by a multiple sclerosis. This is a neural, chronical,
unhealable illness that can evolve to total paralisation.
More than living with the desease
and the limitations it imposes, Valquiria resists. She resists to the temptation
of being seen as a victim on other people’s eyes. She resists to the fear of
the potential new restrictions the illness may bring. She resists to defeat and
miss what life still offering.
This resistance makes her a kind
of athlete. An almost sixty years old athlete who does not pursue record breaks
or podiums, but trains obsessively to overcome dark feelings and avoid selfpity traps. Those traps that can undermine her immunologic system against the
desease evolution. Those traps that can undermine her determination of being
happy here and now.
But how to be happy when walking
more than one hundred meters has become impossible, carry a tray has turned to
be an Olympic test and put an ear-ring has become unmanageable? It is Valquiria
who simply answers the question:
“Learning how to pay attention
only on things that really matter”.
A learning experience she intends
to share through the book ‘How I miss a hand-rail’ , to be published shortly. And
it will come out not as a selfhelp prescription, but as the narrative of a
process which was built step by step from each dark emotion she transformed in
milestones in the last twenty years; with every perception she got from the
observation of herself and people around.
Listening to her narrative,
during an afternoon coffee meeting, where both of us exchanged laughs and tears
(more laughs than tears I should say), I realize how much I still having to
learn, despite of my fifty nine years old of good health. How much I still
lacking the hability to focus on the relevant things that can make happiness possible
here and now.
Nevertheless, the conversation
makes me notice something that worths sharing. Valquiria is happy because she
is alive. And in her athletic determination of living one day at a time, she does not need medals: life is enough, while me… Well, I still
fascinated by the ephemeral shining podiuns and, many times, get so
concentrated on pursuing the medals that forget to thank and celebrate the
moment – the good life I have here and now.
So, Valquiria, I look forward to
your book – to your handrail of love – to help me try the next step and, who
knows, learn to better celebrate what I have before turning sixty.
(*) Valquiria Liz Sganzerla can
be reached through Facebook: http://facebook.com/valquirializsganzerla