Quem sou eu

sábado, 13 de agosto de 2016

Entre Trilhas e Trilhos / Among Trails and Tracks


"Amigos, estou precisando trabalhar. Como atriz  ou jornalista. Tem horas que fica difícil. Ainda não tinha encarado essa. Alguém precisa de mim?”

O comovente desabafo da atriz Joana Fomm, no Facebook e que repercutiu em tantos veículos de comunicação, me fez questionar como uma profissional com o seu talento e mais de 60 anos de carreira precisa fazer um apelo público para conseguir trabalho. Na verdade, me fez pensar em alguns ótimos profissionais com quem convivi e convivo, que estão em situação semelhante à da artista. Me levou a refletir sobre que perspectivas de trabalho continuam abertas para quem, (como eu!), está a caminho dos 60 anos.

Em busca de subsidios para a reflexão, contatei minha amiga, coach e psicóloga, Cecília Andrade (*), com a pergunta na ponta da língua. E, claro, a resposta não é binária. Para ela, nossa “curva” para o trabalho se apresenta em três tempos. Ou seja:

“O tempo I, que se estende entre  os nossos 7 e 24 anos  – explica ela – é o momento de prepararmos nossa mala de ferramentas. É o ciclo da preparação, seja através de uma trajetória acadêmica ou do aprendizado prático de um ofício, quando esse não ocorre na escola. Do ponto de vista financeiro, é um período de investimento, de gastos de recursos, em que as pessoas precisam ser ajudadas, amparadas”.

Após esse ciclo que Cecília também define como “de plantio”, vem o tempo II, que se estende entre nossos 25 e 60 anos (estou quase lá!) e demanda colocarmos em prática tudo o que aprendemos, além de ganharmos mais conhecimento através de pós-graduações e do exercício da própria profissão. “É também o tempo para reservarmos uma parte dos frutos do trabalho, a fim de termos uma poupança para o ciclo seguinte. É o ciclo de colher e armazenar; um dever de casa que todos deveríamos fazer”, diz ela.

Armazenar para enfrentar o período que se estende entre os 60 anos (Opa!) e o final da vida. O ”tempo III”,  que, na definição da coach, tanto pode se traduzir: num momento para usufruir o que construímos; numa fase para desenhar novos planos de vida e de atividade produtiva; ou num ciclo de declínio e escassez, devido à inexistência de recursos financeiros ou problemas de saúde. “E mesmo em um cenário de escassez – continua ela – o tempo é de procurar trabalho em vez de emprego.”

Segundo Cecília, um idoso pedindo emprego fica “fora de tom”, personifica quem não fez a lição de casa do ciclo II e experimenta o desamparo; enquanto alguém que se reinventa profissionalmente depois dos 60 anos dá vida à multiplicidade que todos nós temos. Nas palavras dela, “todos podemos desenvolver novas habilidades. Para isso, basta estarmos alertas, pois, nossa vida é construída  a partir dos nossos talentos, da nossa atividade, consciência, identidade e afetividade no exercício de nossos papéis e em nossos grupos sociais.”

Entendi. Entendi tudo. Mas, mesmo assim, ainda me vejo aqui estupefata com situações como:
  • A de uma amiga jornalista, de 55 anos, que apesar do texto brilhante e do trabalho inovador que rendeu vários prêmios para a publicação onde trabalhava, foi substituída por dois repórteres de 23 anos. Justificativa do empregador: “precisamos de sangue novo”.
  • A de dois profissionais referência na área de comunicação corporativa que, aos 66 anos, sobrevivem fazendo 'bicos'  em agências, enquanto tentam concluir um mestrado para se habilitarem a lecionar em universidades. "A experiência de 35 anos dirigindo a comunicação de grandes empresas não é credencial suficiente", afirmam as instituições, que, por sua vez, têm que cumprir as exigências de docentes diplomados do Ministério da Educação.
  • A de um alto executivo do setor farmacêutico que perdeu o emprego, um ano e meio atrás, quando completou 57 anos, e só conseguiu se recolocar no mercado, depois de abrir mão de 50% do salário e dos benefícios que recebia na empresa. “Pacote como o que você tinha, só se oferece hoje a quem está na faixa dos quarenta”, teve que ouvir do recrutador.  

Acho que a minha estupefação coincide com a constatação de eu ter tido a sorte de não protagonizar qualquer dessas situações. A verdade é que, até completar 50 anos, eu jamais pensei  sobre esses tempos que a Cecilia tão bem definiu. Trabalhava 14 horas por dia, muitas vezes sete dias por semana, e achava que a vida era isso, ponto. Afinal, eu adorava o que eu fazia (!) e isso sempre justificou o ‘rala e rola’ do plantão permanente.

Foi só a partir da quinta década que comecei a perceber que ter um emprego é apenas uma das alternativas do cenário produtivo e que, se eu quisesse responder às inquietações que começavam a me assombrar, teria que ser mais dona da minha agenda, do meu tempo; portanto, haveria que buscar outras opções. Não foi por acaso que, há pouco mais de um ano, abdiquei do esquema 24x7, para voltar a atuar como consultora. Não é coincidência eu hoje me permitir explorar outros caminhos, incluindo os que me trouxeram de volta ao exercício de escrever e à criação deste blog.

Porém, só consigo enxergar tudo isso com clareza agora; principalmente depois de ter conversado com a Cecília J. E fico, aqui, pensando como tantas vezes a gente vai levando a vida de roldão, como se tivesse ativado um piloto automático, e só para pra prestar atenção em onde está, como está e onde quer chegar, quando é atropelada por algum fato, alguma situação, que nos atordoa como o impacto de um trem desgovernado. Não sei se foi isso o que aconteceu com a atriz Joana Fomm e com os outros profissionais que citei aqui – quem sou eu para dizer? – mas tenho a sensação (boa) de que escapei de descarrilar.


(*)  Cecília é sócia-diretora da Cecília Andrade Coaching e Psicologia Organizacional e pode ser contatada pelo Linkedin https://br.linkedin.com/in/cecilia-andrade-063988125 ou pelo email ceciliacarmenandrade@gmail.com
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“Hey, buddies, I need to work. Either as actress or as journalist. I am facing a difficult moment I have never faced before. Does someone need me?”

Joana Fomm’s touching ventilation on Facebook made me question how an actress of such talent and a sixty year career needs to beg publicaly for work. Actually, this made me think about some great professionals I know who are facing a similar situation. It made me also wonder about what work perspectives still existing for someone (like me!) who is up to turn sixty.

Searching for answers, I called my friend, coach and psychologist, Cecília Andrade (*). Of course I did not get a binary response. In her view our work cycle is split in three turns. They are:

“The first turn happens between our seven and 24 years old – she says – and is the moment of preparing our ‘tool case’. It is the moment we are at college to get a graduation or learning a profession. Financially it is a moment of investment, in which people need to be supported”.

After this cycle, which Ms Andrade also calls as ‘seeding time’, we have the second turn, between our 25 and 60 years old, that demands we practice everything we have learnt, besides improving our knowledge through addional certifications. “This is also the moment to save a portion of what we achieved with our work to have savings to face the next cycle – she says. It is the ‘harvest and store time’: a homework all of us should do.

Save to go through the third turn, that happens from the sixties till the end of our lives. In Ms Andrade view, this period of time can be a joyfull moment, in which we enjoy everything we have achieved and/or start planning a new life, with new activities, or a difficult one, due to financial shortage or health issues. “But even in a shortage scenario, she says, it is time to look for work, not for an employment”.  

According to Ms Andrade, an aged person begging for a job sounds ‘out of the blue”, because personifies someone who has not done the second turn homework and is helpless. On the other hand, someone who reinvents him/herself after turning sixty bring multiplicity to life and becomes an inspiration.

I got it. I got it all. But even though I feel schocked with situations, such as:
  • A 55 year old friend who, despite of being brilliant and recognized as a very good journalist, was replaced by two 23 years old reporters. “We need new flash’, her editor said.
  • Two 66 year old communications professionals, who, regardless of their 35 year careers that were inspirational to a whole generation, are now surviving as free lancers while trying to get a master degree to be allowed to teach in universities. According to Brazilian laws their experience is not enough, they need the certificate to become a teacher.
  • The 57 year old executive from the pharmaceutical industry, who lost his job eighteen months ago and only got a new one when he accepted a compensation package 50% lower than the one he used to have. “Nowadays, only people around the forties get that compensation level”, he heard from the recruiter. 

I guess my schock has to do with the fact I feel lucky for not facing any of these situations. Because the truth is till I turned fifty I never considered those three turns that Ms Andrade well defined. I worked fourteen hours a day, many times from Monday to Sunday, and was sure that that was what life should be like, period. After all, I loved my job (!) and that has always justified the permanent stand by mode.

It was only after turning the fifth decade that I started realizing that having a job was only one of the options to be productive and make money. That if I wanted to find the answers to some of the uneasy questions that were beginning to haunt me, I would need to own my agenda; so, I would have to find another working model. It is not by coincidence that less than a year ago I retired from my job and restarted a consultant career. It is not by chance that today I can allow me to explore new trails, including the ones that brought me back to writing and even to this blog.
However, I can only see it clearly now, mainly after chatting with my friend Cecília J . And that makes me think about how, many times, we live as if we had activated an automatic pilot and only starts paying attention on where we are, how we are and where we want to go when something knocks us down as an off the track train would do. I will not say that this is what happened to the actress Joana Fomm and the other people I mentioned in this post – who am I to tell? – but I have to say that, regarding myself, I have the good sensation that I have escaped from the train.


(*) The coach and psychologist Cecilia Andrade owns her business – Cecilia Andrade Coaching and Organizational Psycology – and can be contacted through Linkedin  https://br.linkedin.com/in/cecilia-andrade-063988125 or email ceciliacarmenandrade@gmail.com

12 comentários:

  1. Da uma sensação de que depois dos 50 a sociedade nos classifica como retardados. Não consigo entender isso! A gente tem tanta coisa bacana e nova pra contribuir mas o "mercado" essa entidade impalpável decide q a gente, simplesmente porque tem mais de 50, vira retardado, incompetente, sem talentos e incapaz de aprender coisas novas. Acho isso tão antigo! Tão preconceituoso! E contraditório. Não existe na nossa sociedade o dia de " lançar a vovó no abismo" como naquele programa de tv que sobre uma família de dinossauros. Então nós ficaremos aqui. E com todo esse conhecimento acumulado e desprezado... Sinistro...

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    1. Com as pessoas vivendo cada vez mais, a sociedade, ainda que tarde, terá que repensar seus paradigmas. Enquanto isso não acontece, cabe a nós, individualmente, planejarmos a nova etapa que começa após os 60. O ponto é que até os 40 e, muitas vezes, até os 50, a gente não se dá conta disso. Aí, quando a ficha cai, fica difícil. Difícil, sim, mas não impossível.

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  3. Perfeita análise, Vera Dias! Estou com 61 e me sinto preparada para ensinar. Mais ainda para aprender. Na minha opinião, aí mora o segredo da vida profissional. Que muda o tempo todo.

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  4. É isso aí, Soninha. Estar aberta para as mudanças e sempre disposta a aprender com elas é a trilha para não descarrilar :)

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  5. Ótima e verdadeira reflexão, Vera. Estou prestes a entrar no 'tempo III' e enfrentando a dura situação de ser considerado 'caro' ou 'over-qualified' pelo mercado. É péssimo isso, pois não me chamam para nada. Como posso ser considerado caro quando o que ganho atualmente é igual a zero?

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  6. ops... esse Neil Son aí sou eu, Vera: Marcio Gaspar.

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  7. Obrigada pelo feedback, Marcio. Lamento que você esteja enfrentando as consequências dessas rotulações do mercado, quando as empresas estão precisando tanto de maturidade e expertise, para orientar e desenvolver as novas gerações.

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  8. Em ingles o termo para essa "dispensa" geracional e "ageism". Ele nao tem fronteiras ou nacionalidade. Vi meu pai passar por isso num certo momento da sua carreira. Ele levou 2 anos para conseguir um nove emprego. Deu sorte, pois ficou neste ate os 75! No mes passado aconteceu comigo, as vesperas dos meus 60 anos. No meu caso, eu ja estou financeiramente preparada pois planejo me aposentar ano que vem. Tive sorte de conseguir um contrato logo depois da dispensa, que vai ajudar a financiar essa transicao, enquanto vou me preparando.. Estou muito animada e cheia de ideias. Para muitos, essa "dispensa geracional" e uma catastrofe, doi no bolso e no ego. Me sinto privilegiada, por poder encarar esse fato como uma oportunidade para escrever um novo capitulo da minha vida ...

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  9. Obrigada, amiga, por compartilhar a sua experiência aqui no blog :-D

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  10. Boa tarde e parabéns pelo seu texto e decisão.
    Sempre achei o mercado de trabalho cíclico e reducionista.
    Tenho 73 anos e gostaria muito de continuar trabalhando com remuneração e tenho motivos para querer.
    Desde o ano passado optei por ser "blogueira", Um dedicado ao aprendizado do envelhecer que está batizado de Viva a Velhice e reside em www.vivaavelhice.com.br. O outro a "generalidades informativas" sobre recursos naturais e sustentabilidade e está em www.valorosanatureza.com.br.
    O envelhecer é um tema complexo uma vez que a sociedade (nós) construímos uma série de preconceitos para com a velhice que em certos momentos é um "terror". Simone Bouvoir que o diga.
    Aparece no Viva a Velhice e deixa lá sugestões. Um abraço.

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  11. Obrigada, Juraci. Legal, sua decisão de virar blogueira também. Vou conferir as duas iniciativas.

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