Compartilhar, abraçar, acolher. A conjugação
desses três verbos pode parecer fora de lugar em um ano que ainda não completou
seus primeiros sessenta dias, mas já se caracteriza como intolerante,
violento, conflagrado. Está tão distante da virulência dos fatos que
vêm marcando o cotidiano do país e do mundo, que, zapeando pelos noticiários,
na manhã da última quarta-feira, me detive no programa ‘Encontro com Fátima
Bernardes’, atraída pelo sorriso iluminado de Maha Mamo e pela sua história.
Foi assim que, em 2014, Maha resumiu o que ela e os
irmãos vinham enfrentado desde sempre e enviou cartas pedindo asilo a todos os
países com representação diplomática em Beirute. O Brasil foi o único que lhes
abriu as portas e, meses depois, lhes deu um visto de refugiados apátridas. A
condição que lhes dá direitos equivalentes aos dos residentes no país. O
certificado de que existem, apesar de não terem nacionalidade. Existia, no caso
de Eddy: o irmão foi assassinado, no ano passado, em uma tentativa de
assalto em Belo Horizonte.
Mesmo tendo sido vítima da violência que assola o
país, Maha almeja a nacionalidade brasileira. E é enrolada na nossa bandeira
que ela comemora a carteira de habilitação recém-emitida e demonstra sua
gratidão.
Gratidão por ter sido acolhida no país com os dois
irmãos, quando todos os outros lhes fecharam as portas. Gratidão por ter a oportunidade
de começar uma vida com o mínimo de direitos reconhecidos, assegurados.
Gratidão por finalmente, ter documentos e poder existir legalmente. Gratidão pela generosidade da família mineira
que, sem conhecê-la, a recebeu, quando aqui chegou sem falar uma palavra de
português,
Campanha da ONU busca acabar com a apatridia até 2024 |
É essa generosidade que ela retribui e multiplica,
através do seu ativismo na campanha #IBelong das Nações Unidas, em prol do fim
da apatridia no mundo. Compartilhando sua história e a de sua família em
diversos fóruns, Maha faz o seu melhor para ajudar as cerca de dez milhões de
pessoas espalhadas pelo mundo, que hoje vivem como apátridas.
Sua generosidade me emociona. Me faz refletir sobre
como a condição legal de pertencer a algum lugar define nossa própria
identidade – afinal, onde nasceu esse sorriso cativante da Maha? Na Síria, no
Líbano ou no Brasil? Me leva a tentar
imaginar como seria existir nessa espécie de vácuo de não-nacionalidade; eu,
que, por descender de pais portugueses, tenho o privilégio de ter direito a duas:
a brasileira e a lusa.
Tudo isso também me faz pensar e lamentar como
tantas pessoas, aqui nascidas e com sua nacionalidade reconhecida, dela não
podem usufruir. São cidadãos que crescem apartados da própria cidadania, sem
acesso a direitos civis básicos, como: saneamento, saúde, educação. São
brasileiros com os quais ainda precisamos compartilhar a possibilidade de uma
vida decente. Brasileiros que precisam ser abraçados e acolhidos, para que essa
pátria Brasil também possa lhes pertencer.
Compartilhar, abraçar, acolher. Volto aos três
verbos do início desse post, porque eles pontuaram toda a reflexao que a
história de Maha Mamo provocou. Porque, se eles fossem mais conjugados, não
existiriam cerca de dez milhões de Mahas no mundo. Porque sintetizam o
exercício que precisamos praticar no Brasil, para reverter a geração de
apátridas sociais que estamos criando.
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To share, embrace and welcome. These three verbs
may be seen as out of the blue in a year that has not completed sixty days yet,
but can be already defined as intolerant, violent and conflagrated. They are so
far away from the facts that have been ultimately driving the country and the
world that, browsing around the news last Wednesday, I got stuck at an Ophrah
alike show, because of Maha Mamo’s interview.
Maha Mamo |
Maha is stateless. She is 28 years old, was born in
Lebanon, but never got the country citizenship due to the fact her parents’
inter religion marriage is considered illegal both in Lebanon and in Syria,
from where they are. So, she, her sister, Souad, and her brother, Eddy, grew up
without a nationality, what means without civil rights. A life the three of
them wanted to transform in a real existence.
In 2014, Maha summarized their history in a short
story and sent letters to all embassies in Beirut. Brazil was the only country
that opened the doors to them and months later issued them a stateless refugee
visa. A condition that gives them the same rights country residents have. A
certificate that states they exist, regardless of having a nationality or not.
In the case of Eddy, not any more: he was murdered, last year, during an
assault attempt in Belo Horizonte (capital of Minas Gerais state).
Even having suffered the consequences of the
violence that nowadays is spread all over the country, Maha dreams of the
Brazilian nationality. And it is wrapped in our flag that she celebrates her
brand new issued driving license and demonstrates her gratitude.
The gratitude for being welcome here, when all the
other countries closed their doors. The gratitude for the opportunity to start
a new life. The gratitude for existing legally. The gratitude for the
generosity of the family which hosted her, even without knowing her previously.
It is this generosity she reattributes and
multiplies through her activism in the #IBelong United Nations campaign against
statelessness in the world. Sharing her story in diverse fora, Maha does her
best to help the ten million stateless people spread all over the world.
Her generosity touches me. It makes me think on how the legal condition
of belonging to somewhere defines our identity – after all, where Maha’s captivating
smile was born? In Syria, in Lebanon, or in Brazil? It makes me try to imagine
how it would be to exist in this kind of non-nationality vacuum, when I have
the privilege of being Brazilian and Portuguese.
All of that also makes me feel sorry for the people who are born here, have the Brazilian nationality,
but cannot count on it. They are citizens who grow up apartheid of their own
citizenship, without access to basic civil rights, such as: health and
education. They are Brazilians with whom
we still need to share the possibility of a decent life. They are Brazilians
who need to be embraced and welcome to feel this country belongs to them too.
To share, embrace and welcome. I turn back to the
three verbs that opened this post, because they permeated all the impact Maha
Mamo’s story caused on me. Because, if they were conjugated more often,
probably, there would be less Mahas in the world. Because they summarize the
exercise we need to practice in Brazil to revert the social stateless
generation we have been creating.
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Os humanos são uns bichos muito esquisitos... Devíamos todos ser "terráqueos" e pronto. Mas parece que em vez disso estamos cada vez mais votados prós nossos próprios umbigos.
ResponderExcluirUmbigos numerados, carimbados, registrados em cartórios e com exigências de firma reconhecida. Aí, está o problema: na burocracia que enriquece minorias e abre portas para a corrupção.
ResponderExcluirConcordo com a Julieta. Todos ser humano devia ter cidadania planetaria. Hoje mais do que nunca temos que combater a intolerancia, o preconceito, e xenofobismo que esta se alastrando pelo mundo. Sou uma vira-lata planetaria de primeira com pai imigrante canadense, mae brasileira, avos oriundos da Russia, Austria, e Inglaterra ... Acho a trajetoria deles fascinante. Fico imaginando o que os impulsionou para reconstruir suas vidas nos paises que os acolheram. Muito triste ver como as portas ate das sociedades consideradas mais abertas do mundo estao se fechando para esse rico calderao de diversidade, que sempre contribuiu para uma humanidade mais interessante a inteligente. Infelizmente noto um emburrecimento global da nossa especie. Espero que seja um fenomeno temporario ... Mais grave ainda e o abandono do con-cidadaos dentro de um mesmo pahis ... Os exemplos sao muitos ...
ResponderExcluirConcordo em gênero, número e grau, Cyber 😃 .
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