Na
semana em que o Dia Internacional da Mulher foi celebrado em todo o mundo com
maniferstações pela igualdade de direitos e alarde em torno dos altos indices
de violência contra o chamado ‘sexo frágil’, uma leitora do 2xTrinta, a quem darei o
codinome de Maria, me contatou pedindo para contar a sua história através do
blog. Uma história de cinco anos de
abusos e que, só em 2015, quando ela finalmente tomou coragem para denunciar o
marido, passou a integrar as estatísticas oficiais dos crimes contra a mulher. Em nome de todas as Marias que ainda
permanecem em silêncio diante da violência conjugal, compartilho aqui o relato
dessa que há dois anos conseguiu dizer basta e hoje segue reconstruindo sua
vida.
Maria
se casou, em menos de seis meses, com um
homem que conheceu numa viagem. Até
então, tivera um relacionamento longo e estável com um colega de mestrado, que
acabou não indo adiante, justamente porque ela titubeava em dar o próximo
passo: casar-se. Médica, na época, ainda em fase de consolidação de carreira,
ela acreditava que primeiro precisava estabilizar-se na profissão, para só
então encarar as demandas de uma vida conjugal. Aos 38 anos, durante as
primeiras férias longas em uma década, se viu vivendo uma daquelas paixões
avassaladoras. Em um semestre, conheceu o parceiro, a quem chamaremos de‘B.’,
namorou, noivou e casou. Oito meses depois, o que parecia ser a materialização
de um conto de fadas transformou-se em pesadelo.
“A
diferença – diz ela -- é que do pesadelo
você acorda”.
E
foi acordando ‘B.’ , ao retornar pra casa de um plantão que se tornara mais
longo, em virtude de complicações com pacientes, que Maria deparou com a sua
primeira mudança de comportamento. O companheiro amoroso, que sempre a recebia
com abraços e café fresco, a submeteu a um interrogatório minucioso sobre tudo
o que ocorrera no hospital e sobre todos que com ela haviam compartilhado
aquela jornada na emergência. Uma demonstração de ciúme que, num primeiro
momento ela até tentou levar com bom humor, mas que foi se tornando
assustadora, à medida em que ‘B.’ começou a lhe exigir explicações de forma
agressiva.
“À
medida que ele perguntava por que eu não havia ligado para avisar que o plantão
se estenderia e eu respondia que não vira necessidade, na medida que ele sabia
onde eu estava e conhecia a natureza do meu trabalho, ele foi perdendo o
controle da própria irritação – conta ela. E descreve: “Ele começou a andar de um lado
para o outro, a bater com as portas dos armários e a gritar que eu não não o
havia levado em consideração. Só se acalmou quando, assustada e intimidada por
aquela atitude, pedi desculpas, como se tivesse feito algo errado, e prometi
ser mais cuidadosa numa próxima vez’.
Hoje,
Maria sabe que foi naquele momento, com aquela reação, que estabeleceu com o marido
uma relação, em que ela passaria a ser sempre culpada por despertar a
agressividade dele.
“E
na cabeça de quem se sente culpada, diz ela, a punição é merecida”.
Ao longo do tempo, as cenas de ciúme
temperadas por agressões verbais foram se tornando cada vez mais frequentes.
Segundo Maria, elas eram sempre causadas pelo que ‘B.’ considerava como uma
desatenção sua – para ele, provas de que ela já não o amava como antes -- e
sempre terminavam da mesma forma: com ela se sentindo culpada, pedindo desculpas
e reiterando o seu amor. A convivência foi ficando tão difícil, que Maria
chegou ao ponto de permitir que ‘B.’tivesse acesso irrestrito a sua agenda;
queria provar a qualquer custo que não tinha nada a esconder. Em vez disso lhe trazer paz, transformou sua
vida em um inferno, com o marido monitorando cada minuto da sua rotina e a
torturando com interrogatórios, cada vez que os imprevistos aconteciam.
“Como
na vida de um médico os imprevistos são comuns – conta ela – eu vivia
sobressaltada, antecipando e me preparando para as sessões de prestação de
contas”.
Até
o dia em que, acordada no meio da noite pelo chamado de uma paciente em
trabalho de parto, negou a ‘B.’ a oferta de acompanhá-la ao hospital. Explicou
que precisava se concentrar para fazer aquele atendimento e, sem mais delongas,
determinou que iria sozinha.
Ao
voltar, preparada para responder ao interrogatório da vez, estranhou o silêncio
do apartamento. Acabou surpreendida pelo vulto que lhe aplicou uma gravata,
quando entrava na cozinha; por um segundo, achou que a casa tivesse sido
arrombada e que ela estava sendo atacada por um ladrão. Até que os xingamentos
começaram e neles ela reconheceu a voz do marido.
“Junto
com os xingamentos vieram os socos e as bofetadas” – conta ela, tentando
controlar a vontade de chorar. “Os primeiros de muitos que se tornariam parte
do meu cotidiano dali pra frente”—completa.
Durante
um ano, Maria se submeteu calada a uma rotina de espancamento e agressões do
marido. Uma rotina que passou a ser quase diária e a ter hora marcada; sempre às
oito da noite. Uma rotina que minou tanto sua auto-estima e capacidade de discernimento, que a levou a desistir da própria profissão.
“Eu
achava que se me dedicasse só a ele, tudo aquilo acabaria”, explica.
Não
acabou.
Não acabou até o dia em que, desesperada, Maria fugiu de casa e recorreu a uma organização que acolhe mulheres abusadas. Foi ali, que junto com tantas outras na mesma situação, ela foi juntando os seus pedaços, foi entendendo por que aceitara e permanecera tanto tempo subjulgada num relacionamento. Foi ali que recuperou a vontade de reconstruir a própria vida e retomou a prática da medicina – sua profissão de fé e sustento. Foi ali que tomou coragem para, sem sentimento de culpa, denunciar e processar o marido. Ele acabou e está na prisão. Ela se diz recomeçando. Contar a própria história através deste blog faz parte desse processo; ela explica:
Não acabou até o dia em que, desesperada, Maria fugiu de casa e recorreu a uma organização que acolhe mulheres abusadas. Foi ali, que junto com tantas outras na mesma situação, ela foi juntando os seus pedaços, foi entendendo por que aceitara e permanecera tanto tempo subjulgada num relacionamento. Foi ali que recuperou a vontade de reconstruir a própria vida e retomou a prática da medicina – sua profissão de fé e sustento. Foi ali que tomou coragem para, sem sentimento de culpa, denunciar e processar o marido. Ele acabou e está na prisão. Ela se diz recomeçando. Contar a própria história através deste blog faz parte desse processo; ela explica:
“Minha
história fica registrada aqui como página do passado, para que eu possa
escrever as páginas do futuro. Tomara que isso também dê força às mulheres
silenciosas e silenciadas, que ainda não tiveram coragem de virar a página para
tomar suas vida nas próprias mãos”.
Tomara,
Maria, tomara!
……………………………………………………………………………….
Se você gostou deste
post, por favor, o compartilhe com sua rede de relacionamentos, clicando em um
dos botões que aparecem no rodapé da tradução em inglês abaixo. Se deseja, a
partir de agora, receber notificações dos novos posts do blog no seu próprio
email, preencha o requerimento no espaço-retângulo logo abaixo do meu perfil, na
coluna à direita deste artigo.
……………………………………………………………………………….
In
the week that International Women's Day was celebrated around the world with
demonstrations of equal rights and boasts around the high levels of violence
against the so-called 'fragile sex', a reader of Twice Thirty, whom I will code
Maria, contacted me asking to tell her story through the blog. A history of
five years of abuses and that, only in 2015, when she finally took the courage
to denounce her husband, joined the official statistics on crimes against
women. In the name of all the Marias who still remain silent in the face of
conjugal violence, I share the story of this woman who two years ago managed to
say enough and today continues to rebuild her life.
Maria
married a man she had met on a trip in less than six months. Until then, she
had had a long and stable relationship with a fellow student, who did not go
any further, precisely because she hesitated to take the next step: marrying. A
physician at the time, still in the process of career consolidation, she
believed that she first needed to stabilize her profession, to face the demands
of a married life. At age 38, during her first long vacation in a decade, she
found herself experiencing one of those overwhelming passions. In one semester,
she met the partner, whom we will call B.', dated, engaged and married. Eight
months later, what appeared to be the materialization of a fairy tale turned
into a nightmare.
"The
difference," she says, "is that from the nightmare you wake up."
And
it was awakening 'B.', when she returned home from a shift that had become
longer due to complications with patients, that Maria noticed his first change
of behavior. The loving companion, who always received her with hugs and fresh
coffee, subjected her to a thorough questioning about everything that had
happened in the hospital and about everyone who had shared that emergency
journey with her. A demonstration of jealousy with which, at first, she even
attempted to deal in a good mood, but that became daunting, as 'B.' began to
demand explanations aggressively.
"As
he asked why I had not called to tell him that the shift would be extended and
I responded that I had not seen need, as he knew where I was and knew the nature
of my work, he started losing control of his own Irritation, "she says.
And she describes: "He started pacing, knocking on the closet doors and
yelling that I had not taken him into account. He only calmed down when,
frightened and intimidated by that attitude, I apologized, as if I had done
something wrong, and promised to be more careful next time. '
Today,
Maria knows that it was at that moment, with that reaction, that she
established a relationship with her husband, in which she would always be
guilty for arousing his aggressiveness.
"And
in guilty minds, she says, punishment is deserved."
Over
time, scenes of jealousy tempered by verbal aggression became more and more
frequent. According to Maria, they were always caused by what 'B.' regarded as
her inattention - to him, proofs that she no longer loved him as before - and
always ended the same way: with her feeling guilty, apologizing and reiterating
her love. The coexistence was getting so difficult, that Maria went so far as
to allow 'B.' to have unrestricted access to her agenda; she wanted to prove at
any cost that she had nothing to hide. Instead of bringing her peace, this
attitude turned her life into hell, with her husband monitoring every minute of
her routine and torturing her with questioning every time different things
happened.
"As
in the life of a doctor, unforeseen events are common - she says - I was always
startled, anticipating and preparing myself for those questioning
sessions."
Until
the day when, awakened in the middle of the night by the call of a patient in
labor, she denied 'B.' the offer to accompany her to the hospital. She
explained that she needed to focus on that care and, without further ado,
determined that she would go alone.
She
went.
On
returning, prepared to respond to the interrogation of the time, she was
surprised by the attack of a man when she walked into the kitchen; For a
second, she thought the house had been broken into and that she was being
attacked by a thief. Until the curses began and in them she recognized her husband’s voice.
"Along
with the name-calling, punches and slaps came," she says, trying to
control the urge to cry. "The first of many who would become part of my
daily life from there" – she concludes.
For
a year, Mary was silent in a routine of beating and aggressions from her
husband. A routine that happened to be almost daily and became an appointment;
always at eight pm. A routine that undermined both her self-esteem and ability
to discern; which led her to give up her own profession.
"I
thought if I dedicated my life only to him, it would all end," she
explains.
It's
not over. It was not over until the day when, in desperation, Maria ran away
from home and turned to an organization that welcomes abused women. It was
there that, along with so many others in the same situation, she gathered her
pieces, she understood why she had accepted and remained so long subjugated in
a relationship. It was there that she regained her will to rebuild her own life
and resumed the practice of medicine - her profession of faith and sustenance.
It was there that she took the courage to, without feeling guilty, denounce and
prosecute her husband. He is in jail. She says she is starting over. Telling
the story through this blog is part of the process; she explains:
"My
story is recorded here as a page from the past, so I can write the pages of the
future. Hopefully this will also give strength to the quiet, silenced women who
have not yet had the courage to turn the page to take their life in their own
hands. "
I
hope too, Maria.
...........................................................................................
If you liked this post, please share
it with your network of relationships by clicking one of the buttons that
appear in the footer. If you now want to receive notifications of new blog
posts in your own email, fill out the request in the space-box below my profile
in the column to the right of this article.
...........................................................................................
Eu tento. Mas não consigo entender porque uma mulher se submete a isso. Fico tão indignada!!! Que bom que Maria tomou atitude. E ela mesma descreve q a aceitação do PRIMEIRO interrogatório foi onde ela devia ter dado o basta. Portanto, mulheres q passam por situações ou venham a passar, se não tomar atitude na primeira vez, vai só piorar. Nunca se esqueçam disso. Boa sorte pra todas nós.
ResponderExcluirQuantos relatos assim não estão em silêncio entre quatro paredes?!Que sirva de alerta às que estão iniciando um relacionamento a dois, independente de idade.
ResponderExcluirVerdade Ju, Não sei porque as mulheres passam por isso por anos e anos sem a coragem de tomar logo uma atitude na primeira vez. Acho que por nunca ter passado por isso não devo conseguir entender. Mas desejo boa sorte as mulheres que já saíram desse inferno. Beijos Verinha
ResponderExcluir