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sábado, 11 de março de 2017

Sempre às oito da noite / Always at 8:00 pm

Na semana em que o Dia Internacional da Mulher foi celebrado em todo o mundo com maniferstações pela igualdade de direitos e alarde em torno dos altos indices de violência contra o chamado ‘sexo frágil’,  uma leitora do 2xTrinta, a quem darei o codinome de Maria, me contatou pedindo para contar a sua história através do blog.  Uma história de cinco anos de abusos e que, só em 2015, quando ela finalmente tomou coragem para denunciar o marido, passou a integrar as estatísticas oficiais dos crimes contra a mulher.  Em nome de todas as Marias que ainda permanecem em silêncio diante da violência conjugal, compartilho aqui o relato dessa que há dois anos conseguiu dizer basta e hoje segue reconstruindo sua vida.

Maria se casou,  em menos de seis meses, com um homem que conheceu numa viagem.  Até então, tivera um relacionamento longo e estável com um colega de mestrado, que acabou não indo adiante, justamente porque ela titubeava em dar o próximo passo: casar-se. Médica, na época, ainda em fase de consolidação de carreira, ela acreditava que primeiro precisava estabilizar-se na profissão, para só então encarar as demandas de uma vida conjugal. Aos 38 anos, durante as primeiras férias longas em uma década, se viu vivendo uma daquelas paixões avassaladoras. Em um semestre, conheceu o parceiro, a quem chamaremos de‘B.’, namorou, noivou e casou. Oito meses depois, o que parecia ser a materialização de um conto de fadas transformou-se em pesadelo.

“A diferença – diz ela --  é que do pesadelo você acorda”.

E foi acordando ‘B.’ , ao retornar pra casa de um plantão que se tornara mais longo, em virtude de complicações com pacientes, que Maria deparou com a sua primeira mudança de comportamento. O companheiro amoroso, que sempre a recebia com abraços e café fresco, a submeteu a um interrogatório minucioso sobre tudo o que ocorrera no hospital e sobre todos que com ela haviam compartilhado aquela jornada na emergência. Uma demonstração de ciúme que, num primeiro momento ela até tentou levar com bom humor, mas que foi se tornando assustadora, à medida em que ‘B.’ começou a lhe exigir explicações de forma agressiva.

“À medida que ele perguntava por que eu não havia ligado para avisar que o plantão se estenderia e eu respondia que não vira necessidade, na medida que ele sabia onde eu estava e conhecia a natureza do meu trabalho, ele foi perdendo o controle da própria irritação – conta ela.  E descreve: “Ele começou a andar de um lado para o outro, a bater com as portas dos armários e a gritar que eu não não o havia levado em consideração. Só se acalmou quando, assustada e intimidada por aquela atitude, pedi desculpas, como se tivesse feito algo errado, e prometi ser mais cuidadosa numa próxima vez’.

Hoje, Maria sabe que foi naquele momento, com aquela reação, que estabeleceu com o marido uma relação, em que ela passaria a ser sempre culpada por despertar a agressividade dele.

“E na cabeça de quem se sente culpada, diz ela, a punição é merecida”.

Ao longo do tempo, as cenas de ciúme temperadas por agressões verbais foram se tornando cada vez mais frequentes. Segundo Maria, elas eram sempre causadas pelo que ‘B.’ considerava como uma desatenção sua – para ele, provas de que ela já não o amava como antes -- e sempre terminavam da mesma forma: com ela se sentindo culpada, pedindo desculpas e reiterando o seu amor. A convivência foi ficando tão difícil, que Maria chegou ao ponto de permitir que ‘B.’tivesse acesso irrestrito a sua agenda; queria provar a qualquer custo que não tinha nada a esconder.  Em vez disso lhe trazer paz, transformou sua vida em um inferno, com o marido monitorando cada minuto da sua rotina e a torturando com interrogatórios, cada vez que os imprevistos aconteciam.

“Como na vida de um médico os imprevistos são comuns – conta ela – eu vivia sobressaltada, antecipando e me preparando para as sessões de prestação de contas”.

Até o dia em que, acordada no meio da noite pelo chamado de uma paciente em trabalho de parto, negou a ‘B.’ a oferta de acompanhá-la ao hospital. Explicou que precisava se concentrar para fazer aquele atendimento e, sem mais delongas, determinou que iria sozinha.

Foi.

Ao voltar, preparada para responder ao interrogatório da vez, estranhou o silêncio do apartamento. Acabou surpreendida pelo vulto que lhe aplicou uma gravata, quando entrava na cozinha; por um segundo, achou que a casa tivesse sido arrombada e que ela estava sendo atacada por um ladrão. Até que os xingamentos começaram e neles ela reconheceu a voz do marido.

“Junto com os xingamentos vieram os socos e as bofetadas” – conta ela, tentando controlar a vontade de chorar. “Os primeiros de muitos que se tornariam parte do meu cotidiano dali pra frente”—completa.

Durante um ano, Maria se submeteu calada a uma rotina de espancamento e agressões do marido. Uma rotina que passou a ser quase diária e a ter hora marcada; sempre às oito da noite. Uma rotina que minou tanto sua auto-estima e capacidade de discernimento,  que a levou a desistir da própria profissão.

“Eu achava que se me dedicasse só a ele, tudo aquilo acabaria”, explica.

Não acabou.

Não acabou até o dia em que, desesperada, Maria fugiu de casa e recorreu a uma organização que acolhe mulheres abusadas. Foi ali, que junto com tantas outras na mesma situação, ela foi juntando os seus pedaços, foi entendendo por que aceitara e permanecera tanto tempo subjulgada num relacionamento. Foi ali que recuperou a vontade de reconstruir a própria vida e retomou a prática da medicina – sua profissão de fé e sustento. Foi ali que tomou coragem para, sem sentimento de culpa, denunciar e processar o marido. Ele acabou e está na prisão.  Ela se diz recomeçando.  Contar a própria história através deste blog faz parte desse processo; ela explica:

“Minha história fica registrada aqui como página do passado, para que eu possa escrever as páginas do futuro. Tomara que isso também dê força às mulheres silenciosas e silenciadas, que ainda não tiveram coragem de virar a página para tomar suas vida nas próprias mãos”.

Tomara, Maria, tomara!

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In the week that International Women's Day was celebrated around the world with demonstrations of equal rights and boasts around the high levels of violence against the so-called 'fragile sex', a reader of Twice Thirty, whom I will code Maria, contacted me asking to tell her story through the blog. A history of five years of abuses and that, only in 2015, when she finally took the courage to denounce her husband, joined the official statistics on crimes against women. In the name of all the Marias who still remain silent in the face of conjugal violence, I share the story of this woman who two years ago managed to say enough and today continues to rebuild her life.

Maria married a man she had met on a trip in less than six months. Until then, she had had a long and stable relationship with a fellow student, who did not go any further, precisely because she hesitated to take the next step: marrying. A physician at the time, still in the process of career consolidation, she believed that she first needed to stabilize her profession, to face the demands of a married life. At age 38, during her first long vacation in a decade, she found herself experiencing one of those overwhelming passions. In one semester, she met the partner, whom we will call B.', dated, engaged and married. Eight months later, what appeared to be the materialization of a fairy tale turned into a nightmare.

"The difference," she says, "is that from the nightmare you wake up."

And it was awakening 'B.', when she returned home from a shift that had become longer due to complications with patients, that Maria noticed his first change of behavior. The loving companion, who always received her with hugs and fresh coffee, subjected her to a thorough questioning about everything that had happened in the hospital and about everyone who had shared that emergency journey with her. A demonstration of jealousy with which, at first, she even attempted to deal in a good mood, but that became daunting, as 'B.' began to demand explanations aggressively.

"As he asked why I had not called to tell him that the shift would be extended and I responded that I had not seen need, as he knew where I was and knew the nature of my work, he started losing control of his own Irritation, "she says. And she describes: "He started pacing, knocking on the closet doors and yelling that I had not taken him into account. He only calmed down when, frightened and intimidated by that attitude, I apologized, as if I had done something wrong, and promised to be more careful next time. '

Today, Maria knows that it was at that moment, with that reaction, that she established a relationship with her husband, in which she would always be guilty for arousing his aggressiveness.

"And in guilty minds, she says, punishment is deserved."

 Over time, scenes of jealousy tempered by verbal aggression became more and more frequent. According to Maria, they were always caused by what 'B.' regarded as her inattention - to him, proofs that she no longer loved him as before - and always ended the same way: with her feeling guilty, apologizing and reiterating her love. The coexistence was getting so difficult, that Maria went so far as to allow 'B.' to have unrestricted access to her agenda; she wanted to prove at any cost that she had nothing to hide. Instead of bringing her peace, this attitude turned her life into hell, with her husband monitoring every minute of her routine and torturing her with questioning every time different things happened.

"As in the life of a doctor, unforeseen events are common - she says - I was always startled, anticipating and preparing myself for those questioning sessions."

Until the day when, awakened in the middle of the night by the call of a patient in labor, she denied 'B.' the offer to accompany her to the hospital. She explained that she needed to focus on that care and, without further ado, determined that she would go alone.

She went.

On returning, prepared to respond to the interrogation of the time, she was surprised by the attack of a man when she walked into the kitchen; For a second, she thought the house had been broken into and that she was being attacked by a thief. Until the curses began and in them she recognized  her husband’s voice.

"Along with the name-calling, punches and slaps came," she says, trying to control the urge to cry. "The first of many who would become part of my daily life from there" – she concludes.

For a year, Mary was silent in a routine of beating and aggressions from her husband. A routine that happened to be almost daily and became an appointment; always at eight pm. A routine that undermined both her self-esteem and ability to discern; which led her to give up her own profession.

"I thought if I dedicated my life only to him, it would all end," she explains.

It's not over. It was not over until the day when, in desperation, Maria ran away from home and turned to an organization that welcomes abused women. It was there that, along with so many others in the same situation, she gathered her pieces, she understood why she had accepted and remained so long subjugated in a relationship. It was there that she regained her will to rebuild her own life and resumed the practice of medicine - her profession of faith and sustenance. It was there that she took the courage to, without feeling guilty, denounce and prosecute her husband. He is in jail. She says she is starting over. Telling the story through this blog is part of the process; she explains:

"My story is recorded here as a page from the past, so I can write the pages of the future. Hopefully this will also give strength to the quiet, silenced women who have not yet had the courage to turn the page to take their life in their own hands. "

I hope too, Maria.

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3 comentários:

  1. Eu tento. Mas não consigo entender porque uma mulher se submete a isso. Fico tão indignada!!! Que bom que Maria tomou atitude. E ela mesma descreve q a aceitação do PRIMEIRO interrogatório foi onde ela devia ter dado o basta. Portanto, mulheres q passam por situações ou venham a passar, se não tomar atitude na primeira vez, vai só piorar. Nunca se esqueçam disso. Boa sorte pra todas nós.

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  2. Quantos relatos assim não estão em silêncio entre quatro paredes?!Que sirva de alerta às que estão iniciando um relacionamento a dois, independente de idade.

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  3. Verdade Ju, Não sei porque as mulheres passam por isso por anos e anos sem a coragem de tomar logo uma atitude na primeira vez. Acho que por nunca ter passado por isso não devo conseguir entender. Mas desejo boa sorte as mulheres que já saíram desse inferno. Beijos Verinha

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