Quanto tempo dura um
luto? A pergunta ficou sem resposta, quando, recentemente, reencontrei uma
amiga de juventude. Faz nove anos que ela perdeu o marido e companheiro de
quase três décadas, e, apesar de nas aparências tudo estar bem obrigada – ela
trabalha no que gosta, tem uma convivência saudável com os dois filhos,
construiu laços de afeto com os netos e conta com amigos próxinos e fiéis – não
há um dia em que a tristeza pela perda do parceiro não lhe devore o fígado.
“É sempre na hora de
dormir” – conta ela, assegurando que pelo menos agora o sentimento só se
manifesta quando a vida prática se aquieta, mas que houve períodos em que se
sentia tão devastada, que não tinha
coragem para sair da cama quando acordava. Chegou a buscar terapia,
achando que talvez estivesse ultrapassando as fronteiras da depressão, mas
diagnóstico e tratamento passaram longe da prescrição de tarjas pretas:
ela precisava apenas se permitir viver o
luto.
Como a morte do marido
foi súbida, trágica, e em circunstâncias que, para serem esclarecidas,
demandavam uma atitude combativa da família (ele foi baleado letalmente em um
assalto), minha amiga praticamente não chorou nos primeiros cinco anos. Teve
que ser a voz que clamava por justiça, a mãe que acolhia e consolava os filhos
recém saídos da adolescência e a mulher-chefe-de-família que, além de ganhar
seu sustento, precisava alicerçá-la emocionalmente.
“Tudo ao mesmo tempo e
sem espaço para lágrimas”—afirma.
Foi só a partir do
quinto ano, quando finalmente os assassinos do marido foram punidos, a filha
mais velha decidiu morar com o namorado e o caçula estudar nos Estados Unidos, que
ela começou a se dar conta do “buraco” que a morte do companheiro deixara em
sua vida. Um vazio tão superlativo, que tragava o sentido de tudo e lhe exigia
um esforço quase sobrehumano para continuar dando conta do cotidiano.
“Achei que eu estivesse pirando
– conta – e fui buscar terapia convencida de que antidepressivos e ansiolíticos
passariam a fazer parte da minha dieta para a sobrevivência. Aí, percebi como
todo aquele turbilhão de demandas que sucedeu a perda do Jonas ocupou o seu espaço;
como me agarrei a elas para negar a própria perda e não sofrer com ela”.
Faz só dois anos que
minha amiga diz sentir-se realmente viúva. Conta que vem explorando o
território do luto em toda a sua extensão e que, ao sair do ‘modo negação’,
percebeu que aquela havia sido só a primeira etapa de uma jornada. Uma longa
jornada que ainda a levaria à raiva e à revolta – “por que comigo?”— à tristeza
profunda – “pobre de mim!” , à aceitação resignada – “tinha que ser
assim.” -- e a um estado perene de saudade que conforta, alimenta e acalma,
porque busca nas esquinas da memória o que não se perde com a morte.
Minha amiga diz estar na
fase em que, apesar da tristeza ainda “bater ponto com intensidade todos os
dias”, a resignação e a saudade começam a se revezar com ela na hora de dormir.
Diz ter se descoberto uma “pessoa de fé” e que reza todas as noites para que,
cada vez mais, a saudade abra suas asas pacificadoras sobre si. Conta que,
desde que os netos deixaram de ser bebês e passaram a ter vida própria, tem
resgatado lembranças do marido. Seja no olhar de rabo de olho de um, quando quer
se assegurar que ela ainda não adormeceu, quando assistem a um filme juntos;
seja no jeito sedutor do outro, quando quer convencê-la a comer (e a deixá-lo
comer) uma segunda taça de sorvete. Isso tem lhe aquecido o coração e lembrado como foram pequenas particularidades
como essas que tornaram o marido único ao seus olhos. E ela diz:
“Nesses momentos, eu
tenho certeza: de onde estiver, Jonas está nos vendo e está sorrindo. Nesses
momentos, sei: ele estará sempre comigo”.
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How long does a mourning
last? The question came to mind, when I recently met a friend from my twenties.
It’s been nine years since she lost her husband and companion for almost three
decades, and although she is all well and good in appearance – she loves her
work, has a healthy relationship with her son and daughter, has built bonds
with her grandchildren and counts on close and faithful friends - there is not a
day when she does not feel sad due to her loss.
"It is always in
bedtime," she says, assuring that at least now the feeling only manifests
itself when the practical life is over. There were periods when she felt so
devastated that she did not have the courage to get out of bed when she woke up.
She came to seek therapy, thinking that she might be crossing the frontiers of
depression, but diagnosis and treatment went far beyond the prescription of
black stripes: she needed only to allow herself to live in mourning.
As her husband's death
was sudden, tragic, and in circumstances that, in order to be clarified, demanded
from the family a combative attitude (he was shot dead in a robbery), my friend
practically did not cry in the first five years. She had to be the voice that
cried out for justice, the mother who welcomed and comforted her children and
the head-of-the-family woman who, in addition to earning her living, needed to
be emotionally grounded.
"All at the same
time and with no room for tears," she says.
It was only after the
fifth year, when the husband's murderers were finally punished, the eldest
daughter decided to live with her boyfriend and the youngest to study in the
United States, that she began to realize the "hole" that the death of
the companion had left in her life – a superlative emptiness.
"I thought I was
freaking out," she says, "and I went to therapy convinced that
antidepressants and anxiolytics would be part of my diet for survival. Then I
realized how all that whirlwind of demands that followed Jonas ‘death occupied
his space and how I clung to them to deny my own loss”.
It's only been two years
since my friend started feeling like a real widow. She says she has been
exploring the territory of mourning in all its length and that, when she left
the 'denial mode', she realized that this had been only the first stage of the
journey. A long journey that would still lead her to anger - "why me?" - to deep sadness -
"poor me!" – to resignation -- it had to be so" - and to a perennial
state of nostalgia that comforts, nourishes and calms, because it seeks in the
corners of memory what is not lost with death.
My friend says she is in
the stage where, despite sadness ”still hitting the spot with intensity every
day," resignation and nostalgia begin to take turns with her at bedtime.
She says she found herself a "person of faith" and prays every night
so that, more and more, nostalgia will open its peaceful wings on her. She says
that since her grandchildren started to have a life of their own, she has rescued
memories of her husband. Either in the way one of the grandkids checks if she
has fell sleep while watching a movie; either in the seductive way the other
tries to convince her to have (and let him have) a second bowl of ice cream.
These moments have been warming her heart and reminded her of such small
details as the ones that made her husband unique in her eyes. And she says:
"In those moments,
I'm sure: wherever Jonas is, he is watching us and smiling and smiling. In
those moments, I know: he will always be with me”.