Quem sou eu

sábado, 13 de maio de 2017

Quase clichê / Almost a cliché

Quem tem mãe não tem medo.

Aos 25 anos, quando ouvi essa afirmação pela primeira vez, ela soou mais como frase de efeito do que como máxima que realmente fizesse sentido pra mim. Proferida pela minha xará Veralu Andrade sempre que vencia um novo desafio, a expressão foi se incorporando às conversas do dia a dia e se transformando numa espécie de mantra, na pequena redação onde trabalhamos juntas, na década de oitenta. Era um tal de recitar quem tem mãe não tem medo pra lá e pra cá, que eu mesmo passei a fazê-lo, quase que automaticamente, toda vez que precisava enfrentar os típicos perrengues da minha rotina de jovem repórter.

Minha mãe, D. Lydia, aos quase 93 anos
Foi com o passar do tempo e a superação de perrengues que transcenderam o universo profissional, que fui entender a profundidade da frase. Na verdade, precisei de alguns (muitos) anos no divã do analista para realmente compreendê-la. Para perceber que o meu destemor e a minha determinação diante da vida não haviam nascido numa chocadeira; que a minha sensibilidade vinha de uma base sólida de afeto; que o meu excesso de autossuficiência era só disfarce para quem, precocemente, trocou a proteção do colo materno pelos sustos da vida adulta.

E como era bom aquele colo! Morno, macio, rescendendo a jasmim. Sempre me acolhendo na volta das brincadeiras infantis: ‘Batatinha frita um, dois, três! Mamãe posso ir? Quantos passos?!...’ Sempre pronto para se transformar em cuidados para os meus joelhos permanentemente esfolados: água oxigenada, tintura metiolati e sopradinhas para aliviar a ardência antes de colocar o bandeide sobre o machucado.
Como era bom aquele colo! Rijo, sólido, permanente. Sempre disponível para abraçar meus desasossegos adolescentes, ainda que mal alcançasse o que, para mim, só Clarice Lispector era capaz de traduzir: “Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos. Pouco não me serve, médio não me satisfaz, metades nunca foram meu forte!”…  Ah! Aquele abraço! Terno, caloroso, apertado. Sempre dando boas vindas às minhas fortuitas visitas adultas. Sempre disposto a se transmutar novamente em colo, berço, acalanto.

Quanto tempo levei, mãe, para me dar conta de que seu colo é chão, é raiz, é alicerce. Quanto tempo precisei para me reconhecer na sua semelhança, apesar das diferenças. Quanto tempo demorei para voltar pra casa, me sentir em casa, e me reencontrar na casa que cheira a café com leite e pão torrado ao amanhecer.  Ainda bem que deu tempo, mãe. E que hoje, aos quase sessenta anos, eu tenha a felicidade de ainda poder dizer – agora com convicção: quem tem mãe não tem medo.

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 Who has a mother is never afraid.

At age 25, when I first heard this statement, it sounded more like a catch phrase than something that really made sense to me. Delivered by my friend Veralu Andrade, whenever she faced a new challenge, the expression was incorporated into our daily conversations and became a kind of mantra in the small newsroom where we worked together in the eighties.

I only understood the depth of the phrase after many years. In fact, I needed time on the analyst's couch to really understand it. To realize that my fearlessness and my determination  had not been born in a brooder; that my sensitivity came from a solid foundation of affection; that my excess of self-sufficiency was only a disguise for those who, early on, changed the protection of their mother's lap for the scares of adult life.

And how good was that lap! Warm, soft, resembling jasmine. Always welcoming me in the return of children's games. Always ready to take care of my permanently skinned knees: hydrogen peroxide, tincture methiolate and blows to relieve the burning before placing the Band-Aid on the bruise.
How good was that lap! Solid and permanent. Always available to embrace my adolescent restlessness, although it barely reached what, for me, only Clarice Lispector (*) was able to translate: "I do not fit in the strait, I only live in the extremes. Little does not suit me, medium does not satisfy me, and halves have never been my gift! "... Ah! That hug! Suit, warm, tight. Always welcoming my random adult visits. Always willing to transmute again in lap, cradle, and lull.

How long it took me, Mom, to realize that your lap is ground, it's root, and it’s foundation. How long did it take me to recognize myself in your resemblance, despite the differences. How long it took me to come back home, feel at home, and find myself in the house that smells like coffee with milk and toasted bread at dawn. I am glad I could make it in time, Mom. And that today, when I am almost sixty years old, I still can say - now with conviction: who has a mother is never afraid.

(*) Clarice Lispector is a Brazilian writer.

6 comentários:

  1. Tive um pouco disso no final...foi bom. 😁

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  2. Respostas
    1. Você está dizendo, Dibbbah :) Que bom que as minhas emoções falam com as suas.

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  3. Eterno amor entre filha e mãe.
    Por favor, dê um longo abraço na sua mãe e diga a ela que é de uma amiga gaúcha pelo dia das mães.

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