Talvez
porque já seja Natal e 2017 já esteja logo ali. Talvez porque essa época do ano
me deixe mais sensível do que de costume, um tanto melancólica – quase
sentimental. Talvez porque esse misto de emoções me remeta ao encantamento de
ir à feira com minha mãe, escolher nosso pinheirinho, para depois tranformá-lo
na nossa árvore natalina, num ritual quase religioso que todas as palavras são
poucas para descrever. Talvez por conta
de tudo isso (junto e misturado :--), eu me veja aqui ensaiando uma carta para
Papai Noel.
Eu
sei. Faz tempo que sei que Papai Noel não existe. E lembro, exatamente, da
decepção e do desalento que senti quando, aos dez anos, fiz essa descoberta. Já
havia mais ou menos dois anos que amiguinhos mais velhos cacarejavam a verdade
nos meus ouvidos e que adultos, incluindo meus pais, dissimulavam evasivas
entre sorrisos-amarelo, quando eu lhes fazia a pegunta à queima-roupa. Porém, eu me recusava a acreditar nessas
evidências. Me negava a aceitar que uma verdade, pra mim, tão absoluta pudesse
ser apenas ‘mais uma história para
crianças’ , mais um conto da carochinha.
Foi
quase por acaso que minha certeza evaporou como bolhas de sabão. Numa
antevéspera de Natal, na casa da minha madrinha e Tia Dudu onde passávamos
todos os Natais (ja mencionei esses Natais em outros posts), entreouvi uma
nesga de conversa entre minha prima mais velha, Ana, e a mãe, em que,
referindo-se a Papai Noel, a prima adolescente dizia:
“
Alguém precisa contar a verdade a Verinha, ou ela vai acabar sabendo da pior
maneira possível”.
Não
precisei ouvir a resposta cheia de ‘mas mas’ da minha tia, para entender que
havia sido enganada todos aqueles anos. Para experimentar a humilhação de ter
acreditado tão piamente em alguma coisa que não existia. Para sentir o gosto,
que muitos anos depois e guardadas as devidas proporções, entenderia: era o
sabor acre e indigesto da traição. Para ver o que eu entendia como confiança
reduzido a cacos – a cacos de cristal, impossíveis de colar.
Sei
que estou parecendo melodramática, mas o que posso fazer? Eu me sentia mesmo
assim: devastada. De uma tal forma, que me escondi no fundo do quintal para
chorar. Chorar por ter sido boba e ter me negado a enxergar o que tantos a
minha volta apontavam. Chorar por ter aceitado as evasivas adultas em reação às
minhas tentativas de tira-teima, por causa do temor de me decepcionar. Chorar
por ter depositado tanta esperança nas longas cartas que eu endereçara ao ‘bom velhinho’
a partir do momento que aprendi a escrever e que, a partir daquele instante, eu
sabia: não existia. Aonde teriam ido
parar aquelas cartas?
Foi
no meio de todo esse desconsolo e com a cara inchada e vermelha de tanto
chorar, que meu padrinho e tio Leo (também já falei sobre ele em outros posts)
me encontrou, ao dirigir-se ao galpão no fundo do quintal em busca de uma
ferramenta. Ficou tão desconcertado ao me ver naquele estado, que não disse
nada; apenas sentou-se no chão ao meu lado, debaixo da goiabeira. Não sei
quanto tempo ele ficou ali, em silêncio, escutando os meus soluços, esperando
que as lágrimas se esgotassem e eu me dispusesse a falar. Pra mim, foi uma
eternidade, mas ele respeitou o meu tempo.
E
ele nem precisou fazer perguntas. Quando, finalmente, consegui articular o que
estava sentindo, as palavras surgiram aos borbotões; vociferando toda a minha raiva, toda a minha
decepção, toda a vontade que eu tinha em voltar no tempo e apagar aquele fato
da minha vida (de apenas uma década, mas que naquele momento parecia o que eu
vislumbrava como ter cem anos!). Entre uma frase e outra, eu batia na mesma
tecla:
“E
as cartas que escrevi ao Papai Noel?
Aonde foram parar as cartas?!!!!!!
Assim
como os soluços, as palavras também esgotaram. E meu tio, com a sua paciência
amorosa, esperou pelo silêncio. Quando se certificou de que ele não seria mais
interrompido por nenhum outro rompante, me deu a mão e, ali, sentado sob a
goiabeira, me contou que, muitos anos antes, quando lhe contaram a verdade
sobre Papai Noel, sofreu tanto, que teve febre durante três dias e passou
outros tantos sem comer. Perambulava inconsolável pela casa e, assim como eu,
também só se perguntava o que havia sido feito das suas cartas natalinas e de
tudo o que havia depositado nelas. Até
que, numa noite, acordou com uma rena batendo no vidro da janela do seu quarto.
Ela tinha vindo convidá-lo para visitar o bom velhinho. Ele estranhou e reagiu disparando a verdade: “Papai Noel não existe!”. Ao que a rena refutou:
“Você
está enganado, Leo. Papai Noel existe sim. Existe na nuvem cor-de-rosa da
imaginação das crianças”.
Ele
pulou da cama sobressaltado e viu que havia sonhado. Muitos anos depois,
encontrou tanto conforto naquele sonho, que incorporou a tal nuvem cor-de-rosa
ao resto da sua vida. Não só para abrigar Papai Noel e explica-lo a seus próprios filhos, mas também para alimentar
o seu olhar de menino, a sua alegria e disposição
para continuar soltando pipa com a garotada, a sua sensibilidade para não
deixar uma menina inconsolável, mesmo que fosse por ‘uma bobagem’, como poderia
parecer a muitos. Ainda que ela fosse um
pouco difícil de convencer e não parassse de perguntar:
“Mas
e as cartas, Tio Leo?!!!! O que foi feito das minhas cartas de Natal?!!!!”
Tudo
bem que Papai Noel pertencesse a esse universo de nuvens cor-de-rosa, que só
dependia da minha imaginação acreditar ou não na sua existência e que eu não
precisava me sentir melhor ou pior que ninguém ao optar pela crença. Tava tudo
certo. Bacana. Mas eu queria saber das minhas cartas!!!!
“O
que foi feito das cartas que escrevi a Papai Noel, Tio Leo?”
Meu
tio não se intimidou por não ter uma resposta mágica (como a da nuvem
cor-de-rosa). Apenas disse que não sabia o que havia sido feito das cartas que
eu escrevera até ali. E afirmou que, na verdade, isso também não importava,
porque o que realmente contava eram as cartas que eu passaria a escrever dali
pra frente.
Acho
que vem daí o meu gosto pela prosa. Esse prazer de escrever relatos, como se
endereçasse missivas a mim mesmo, como se construísse pontes para, ao me
reconhecer no destino, poder chegar ao outro. O prazer que -- hoje sei --
descobri lá atrás, através daquelas cartas natalinas que até hoje não sei onde
foram parar. O prazer que meu tio Leo não deixou que morresse com a ilusão de
Papai Noel.
Como
ele, meu tio, não está mais aqui para que eu possa agradecer o tesouro que me
possibilitou guardar, faço deste post a minha carta de Natal:
“Querido
Papai Noel, …”
Ou seria?:
“Querido
Tio Leo, neste Natal de 2016, não importa que nuvem cor-de-rosa você habite, …”
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Maybe
because it is Christmas and 2017 is already around the corner. Maybe because
the holidays season makes me feel more sensitive, a bit melancholic, almost
sentimental. Maybe because this mix of emotions refers to that unique enchantment
of choosing and decorating the Christmas three with my mom. Maybe because of
all of these things together, I find myself drafting a Santa Klaus’ letter.
I
know. It has been a while I know Santa does not exist. And I remember my disappointment
when, at ten, I discovered the truth, regardless of the fact my older friends
had whispered it on my ears so many times and adults, including my parents, had
always smiled evasively whenever I tried to ask them the question. Those evidences
were not enough.
It
was almost by chance I had to face the reality. I was at my aunt Dudu’s home
for the family Christmas celebration (I have mentioned these gatherings in a
former post), when I, not on purpose, heard her conversation with Anna, my
oldest cousin. Referring to Santa Klaus, Anna simply warned her mother:
“Someone
needs to tell Verinha the truth or she will discover it through the worst way
possible”.
I
did not need to listen to my aunt’s full of buts answer to conclude people had
lied to me all those years and to feel humiliated, disappointed, disregarded. To
see the trust I had in them falling apart, as a broken crystal vase you will
never pull together again.
I
know this maybe seen as too much drama, but what can I say if I really felt
devastated? If I felt so miserable, that I hide myself at the bottom of the
backyard where nobody could find me to cry. I simply needed to cry. I had to
cry for being a fool who had ever denied evidences. I had to cry for writing so
many letters to Santa, sharing my dreams, sharing my hopes. Where, to whom
those letters had gone?
My
uncle Leo (about whom I have also written in this blog) found me in the middle
of this sorrow, when he headed to the tools house at the furthest end of the backyard.
He got so embarrassed in seeing me weeping and sobbing that he did not say a
word; he simply sit besides me below the guava. I do not know how long he
stayed there silently. I only know that when I stopped crying he was there to listen
to all I had to vent. And there he stayed till I got tired and shut up. Then,
he held my hand and started telling me how much he also suffered when, many
years before, he discovered the truth about Santa. He got a fever, did not eat
for three days and, like me, did not stop asking about the letters he had
addressed do ‘the old man’. Till the night he woke up with a reindeer knocking
at the window to invite him to visit Santa. He immediately said Santa Klaus did
not exist and heard back from the reindeer:
“You
are wrong, Leo. Santa does exist. He exists in the pink cloud of children’s
imagination”.
He
later realized that the conversation had been a dream. But the point is it made
him feel so comforted, that he decided to incorporate that pink cloud to his
life. He made that decision not only to house Santa, but also to preserve his
boyish glare and keep his sensibility sharp enough to comfort a little crying
girl who was suffering for something many adults would define as silly. Even
though this girl was not easy to convince and kept asking:
“What
about my letters, uncle Leo?!!!! What was made of them?!!!!”
My
uncle did not feel intimidated by his lack of a magical answer. He only said he
did not know about the letters I had written till then and that, actually, he
was not concerned about them. He said his worries regarded the letters I was up
to write from that moment on.
Today
I know he discovered my writing gift before I could be aware of it and made
what he could to keep it alive regardless of my disappointment with the truth about Santa. As
uncle Leo is not around anymore, I cannot thank him. I can only write this post
in his memory as a Christmas letter. So, here it goes:
“Dear
Santa…”
Or
should that be:
“Dear
Uncle Leo, this is 2016 Christmas and no matter where is the pink cloud you now
live in…”
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Linda crônica! Parabéns, Vera!
ResponderExcluirEstimular o imaginário infantil é necessário para que a criança aprenda a lidar com seus medos e suas fantasias, contudo é importante perceber o momento certo de estimular essa passagem para o mundo real. Essa é uma boa reflexão para pais, avós e todos que de alguma forma educam emocionalmente as crianças. Sugerido a esses que leiam o livro "Inteligência Emocional" de Daniel Goleman.
Eu acredito em Papai Noel... Não posso fazer nada. Acho ele bacana e gosto dele. Dane-se se tenho 62 anos. Eu acredito em Papai Noel e pronto!! Fazer o quê? Cada um com seus sentimentos.
ResponderExcluirCyberzinha, sua reflexao sobre Papai Noel e muito linda. Acho que todos nos deviamos conservar um pouco da fe cega e ingenua das criancas, como um contrapeso ao ceticismo e ate cinismo que vamos adquirindo no curso da vida adulta. O mundo seria muito melhor se toda a humanidade, independente da idade, acreditasse em Papai Noel...
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