O melhor lugar do mundo é dentro de
um abraço, canta Jota Quest, enquanto tento sintonizar o rádio do carro na estação
que só veicula notícias. Presa num
desses engarrafamentos que fazem parte do cotidiano paulistano, me permito um break na busca do noticiário e presto
atenção à letra que afirma: tudo que a gente sofre num abraço se dissolve…
Instantaneamente, penso que, ao
contrário do beijo, não existem abraços roubados. Imediatamente, começo a lembrar dos abraços que
já dei e dos tantos que já ganhei. Lembro também daqueles que pedi e não
recebi; e principalmente dos que neguei. Penso nas vezes em que quis abraçar e
não abracei, porque não ficava bem (o que os outros vão pensar?); porque, eu
tinha certeza: o outro não entenderia; porque tive medo – muito medo mesmo, do
que aconteceria depois de ter o abraço correspondido.
Às vésperas de completar sessenta
anos, esses balanços afetivos se tornaram mesmo uma rotina. Uma rotina que não instituí deliberadamente,
mas que me pega, assim de repente, na quebrada de qualquer esquina em que topo
com uma nova, velha, inusitada, quase
esquecida, requentada -- não importa -- emoção. E aqui estou eu, agora, engarrafada em plena
Avenida Paulista, às seis da tarde,
resgatando abraços, por causa dessa música que diz que dentro deles é
sempre quente.
Nem sempre, se considerarmos o
abraço dos afogados, que nos faz afundar e visitar subterrâneos onde não há
oxigênio, mas que é necessário conhecer
para que reaprendamos a respirar. Às vezes, se levarmos em conta os abraços de
tamanduá, que nos tritura ossos e alma num só amplexo, para que aprendamos a
distinguir o joio do trigo -- a identificar quem genuinamente apenas quer nos
abraçar.
Porque há abraços e abraços. Só no
dicionário, há os que nos tomam entre os braços, os que nos rodeiam, os que nos
adotam, abrangem, admitem sem relutância e nos entrelaçam. Na vida, há nuances
que não cabem no léxico, como: o abraço de lençóis levemente perfumados, que
exala os cheiros da infância vivida e dormida nas camas dos pais, avós, tios e padrinhos queridos; o abraço coletivo,
literal e adolescente, em que, qual os três mosqueteiros e D'Artagnan, somos um
por todos e todos por um; o abraço da quase penumbra do divã do analista, onde tudo é confessado e perdoado à priori,
porque não há julgamentos; o abraço dos parceiros, quase almas-gêmeas, que
assim se reconhecem, depois de longas caminhadas solitárias; o abraço dos
amantes traduzido pelo ritmo do tango,
essa dança-amplexo de pernas e braços, que demanda paixão para que não
se erre os passos.
‘Siempre que te pregunto que, cuando, como y donde, tu siempre me
respondes quizas, quizas, quizas’… (sempre que te pergunto o que, quando, como e onde, você
sempre me responde: quiçá, quiçá. quiçá?!...)
Porque há abraços e abraços. E
sobretudo há o que não sabemos sobre os abraços que negamos, sonegamos e dos
quais desviamos. Sem falar dos que
escondemos e daqueles que prometemos, mas não demos. E como não há abraços simulados, provavelmente
ficaremos sem redenção diante de quem abraçamos sem vontade. Principalmente
porque os verdadeiros abraços ficam para sempre tatuados no peito e na alma da
gente. Ficam gravados em tinta incandescente, num quase mosaico transparente a
olho nu, mas que neste momento se acende, porque são seis horas da tarde, o
trânsito está parado na Avenida Paulista, e, no rádio, Jota Quest canta. Ele
canta e eu faço coro, por conta de todos os abraços que ainda darei e receberei:
o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço.
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The best place in the world is in a
hug, sings Jota Quest (*), while I try
to tune the radio in the news station. Caught in one of those traffic jams that
are part of daily life in São Paulo, I give myself a break in the search for
news to pay attention to the lyrics that say: everything we suffer is forgotten
in a hug...
Instantly, I think that, unlike the
kiss, there are no stolen hugs. Immediately, I begin to remember the hugs I
have given and the many that I have won. I also remind myself of the ones I
have denied and of the times when I wanted to hug and I did not, because I was
worried about what others would think; Because, I was sure: the embraced person
would not understand it; Because I was afraid - very much afraid, of what would
happen after having the corresponding hug.
On the verge of turning sixty, these
affective balances have become a routine. A routine that I did not set up
deliberately, but that suddenly catches me at any corner where I bump on a new,
old, unusual, almost forgotten, reheated - no matter - emotion. And here I am,
now, jammed in the middle of Avenida Paulista, at 6.00 pm, rescuing hugs,
because of this song that says that inside them it is always warm.
Not always, if we consider the
drowneds’hug, that makes us sink and visit subterranean where there is no
oxygen, but that are necessary to teach us how to breath properly. At times, if
we take into account the bear’s hug, which smashes our bones and soul all
together, so that we learn to identify whom genuinely just wants to hold us.
Because there are hugs and hugs.
Only in the dictionary there are those, which take us in their arms, adopt,
embrace, admit without reluctance, and entwine us. In life, there are nuances
that do not fit in the lexicon, such as: the embrace of lightly perfumed
sheets, which exudes the scents of childhood lived and asleep in the beds of
parents, grandparents, uncles and dear godparents; The collective, literal and
adolescent embrace in which, like the three Musketeers and D'Artagnan, we are
one for all and all for one; The embrace of the shirker’s coach, where
everything is confessed and forgiven beforehand, because there are no
judgments; The embrace of the partners, almost soul-mates, who thus recognize
themselves, after long lonely walks; The lovers’ hug translated by the rhythm
of the tango, this dance that demands passion to not miss the steps.
‘Siempre que te pregunto que, cuando, como y donde, tu siempre me
respondes quizas, quizas, quizas’... (Whenever I ask you what, when, how and where, you
always answer: who knows, who knows, who knows?...)
Because there are hugs and hugs. And
above all there is what we do not know about the hugs that we deny and from
which we deviate. Not to mention those from which we hide and those we have
promised, but have not given. And since there are no simulated hugs, there is
no mercy when we unwillingly embrace someone. Especially because the true hugs
are forever tattooed on our chest and soul. They are engraved in incandescent
ink which seems to be transparent at first sight, but at this moment is lit, because
it is 6.00 pm, traffic is jammed at Avenida Paulista, and on the radio, Jota
Quest sings. He sings and I chorus in honor of all the hugs that I will still
give and receive: the best place in the world is in a hug’.
(*) Jota Quest is a Brazilian
composer and singer.