Quem sou eu

sábado, 24 de junho de 2017

Dentro de um abraço / Inside a hug

O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço, canta Jota Quest, enquanto tento sintonizar o rádio do carro na estação que só veicula notícias.  Presa num desses engarrafamentos que fazem parte do cotidiano paulistano, me permito um break na busca do noticiário e presto atenção à letra que afirma: tudo que a gente sofre num abraço se dissolve…

Instantaneamente, penso que, ao contrário do beijo, não existem abraços roubados.  Imediatamente, começo a lembrar dos abraços que já dei e dos tantos que já ganhei. Lembro também daqueles que pedi e não recebi; e principalmente dos que neguei. Penso nas vezes em que quis abraçar e não abracei, porque não ficava bem (o que os outros vão pensar?); porque, eu tinha certeza: o outro não entenderia; porque tive medo – muito medo mesmo, do que aconteceria depois de ter o abraço correspondido.  

Às vésperas de completar sessenta anos, esses balanços afetivos se tornaram mesmo uma rotina.  Uma rotina que não instituí deliberadamente, mas que me pega, assim de repente, na quebrada de qualquer esquina em que topo com uma nova, velha,  inusitada, quase esquecida, requentada -- não importa -- emoção.  E aqui estou eu, agora, engarrafada em plena Avenida Paulista, às seis da tarde,  resgatando abraços, por causa dessa música que diz que dentro deles é sempre quente.

Nem sempre, se considerarmos o abraço dos afogados, que nos faz afundar e visitar subterrâneos onde não há oxigênio, mas que é  necessário conhecer para que reaprendamos a respirar. Às vezes, se levarmos em conta os abraços de tamanduá, que nos tritura ossos e alma num só amplexo, para que aprendamos a distinguir o joio do trigo -- a identificar quem genuinamente apenas quer nos abraçar.

Porque há abraços e abraços. Só no dicionário, há os que nos tomam entre os braços, os que nos rodeiam, os que nos adotam, abrangem, admitem sem relutância e nos entrelaçam. Na vida, há nuances que não cabem no léxico, como: o abraço de lençóis levemente perfumados, que exala os cheiros da infância vivida e dormida nas camas dos pais, avós,  tios e padrinhos queridos; o abraço coletivo, literal e adolescente, em que, qual os três mosqueteiros e D'Artagnan, somos um por todos e todos por um; o abraço da quase penumbra do divã do analista,  onde tudo é confessado e perdoado à priori, porque não há julgamentos; o abraço dos parceiros, quase almas-gêmeas, que assim se reconhecem, depois de longas caminhadas solitárias; o abraço dos amantes traduzido pelo ritmo do tango,  essa dança-amplexo de pernas e braços, que demanda paixão para que não se erre os passos.

‘Siempre que te pregunto que, cuando, como y donde, tu siempre me respondes quizas, quizas, quizas’… (sempre que te pergunto o que, quando, como e onde, você sempre me responde: quiçá, quiçá. quiçá?!...)

Porque há abraços e abraços. E sobretudo há o que não sabemos sobre os abraços que negamos, sonegamos e dos quais desviamos. Sem falar dos  que escondemos e daqueles que prometemos, mas não demos.  E como não há abraços simulados, provavelmente ficaremos sem redenção diante de quem abraçamos sem vontade. Principalmente porque os verdadeiros abraços ficam para sempre tatuados no peito e na alma da gente. Ficam gravados em tinta incandescente, num quase mosaico transparente a olho nu, mas que neste momento se acende, porque são seis horas da tarde, o trânsito está parado na Avenida Paulista, e, no rádio, Jota Quest canta. Ele canta e eu faço coro, por conta de todos os abraços que ainda darei e receberei: o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço.
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The best place in the world is in a hug, sings Jota Quest (*), while I try to tune the radio in the news station. Caught in one of those traffic jams that are part of daily life in São Paulo, I give myself a break in the search for news to pay attention to the lyrics that say: everything we suffer is forgotten in a hug...

Instantly, I think that, unlike the kiss, there are no stolen hugs. Immediately, I begin to remember the hugs I have given and the many that I have won. I also remind myself of the ones I have denied and of the times when I wanted to hug and I did not, because I was worried about what others would think; Because, I was sure: the embraced person would not understand it; Because I was afraid - very much afraid, of what would happen after having the corresponding hug.

On the verge of turning sixty, these affective balances have become a routine. A routine that I did not set up deliberately, but that suddenly catches me at any corner where I bump on a new, old, unusual, almost forgotten, reheated - no matter - emotion. And here I am, now, jammed in the middle of Avenida Paulista, at 6.00 pm, rescuing hugs, because of this song that says that inside them it is always warm.

Not always, if we consider the drowneds’hug, that makes us sink and visit subterranean where there is no oxygen, but that are necessary to teach us how to breath properly. At times, if we take into account the bear’s hug, which smashes our bones and soul all together, so that we learn to identify whom genuinely just wants to hold us.

Because there are hugs and hugs. Only in the dictionary there are those, which take us in their arms, adopt, embrace, admit without reluctance, and entwine us. In life, there are nuances that do not fit in the lexicon, such as: the embrace of lightly perfumed sheets, which exudes the scents of childhood lived and asleep in the beds of parents, grandparents, uncles and dear godparents; The collective, literal and adolescent embrace in which, like the three Musketeers and D'Artagnan, we are one for all and all for one; The embrace of the shirker’s coach, where everything is confessed and forgiven beforehand, because there are no judgments; The embrace of the partners, almost soul-mates, who thus recognize themselves, after long lonely walks; The lovers’ hug translated by the rhythm of the tango, this dance that demands passion to not miss the steps.

‘Siempre que te pregunto que, cuando, como y donde, tu siempre me respondes quizas, quizas, quizas’... (Whenever I ask you what, when, how and where, you always answer: who knows, who knows, who knows?...)

Because there are hugs and hugs. And above all there is what we do not know about the hugs that we deny and from which we deviate. Not to mention those from which we hide and those we have promised, but have not given. And since there are no simulated hugs, there is no mercy when we unwillingly embrace someone. Especially because the true hugs are forever tattooed on our chest and soul. They are engraved in incandescent ink which seems to be transparent at first sight, but at this moment is lit, because it is 6.00 pm, traffic is jammed at Avenida Paulista, and on the radio, Jota Quest sings. He sings and I chorus in honor of all the hugs that I will still give and receive: the best place in the world is in a hug’.

(*) Jota Quest is a Brazilian composer and singer.

6 comentários:

  1. Abraço é muito bom. Eu adoro abraço!

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    1. Abraços e gratidão de fazer lembrar que um abraço acolhe e distribui muitos afetos. Abraços

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  2. Abraço quando é inteiro e verdadeiro realmente renova a alma! Lindo Vera seu post! Ah! Estou com saudades do seu abraço.

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  3. Descreveu perfeitamente o que penso, abraços são laços sem nós.

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