Um lar não é necessariamente uma
casa, mas qualquer coisa que nos faça sentir menos sós. A definição é proferida
pelo detetive Julien Batiste, personagem da minissérie ‘The Missing’ (o desaparecimento (*), para consolar um pai que busca obsessivamente o paradeiro do
filho, misteriosamente desaparecido há oito anos. É dita na tentativa de
convencer esse pai, devastado pela trágica perda, a voltar pra casa e seguir em
frente. Mas ele, o pai desalentado,
resiste. E pergunta:
“Casa? Que casa?
Independente do contexto da ficção,
a pergunta e a definição me emocionam; me fazem refletir sobre esse lugar a que
dou o nome de lar/casa e para onde sempre volto, depois de encarar uma empreitada.
Essa referência de acolhimento, onde me recolho para recarregar as baterias e
ganhar ânimo a fim de encarar a próxima etapa – seja ela qual for. Esse espaço
quentinho e único que, um dia entendi: bastava existir dentro de mim, para que
eu não me tornasse uma alma penada vagando pelo mundo.
Levei um tempo para chegar aí. Para compreender
que esse lar sem fundações físicas reune um pouco de todas as casas em que já
vivi. Guarda a intimidade do meu quarto de menina, no apartamento de
Petrópolis, e o gosto de aventura saboreado tantas vezes, durante a infância,
no quintal da casa da minha tia-madrinha, Dudu, em Jacarepaguá. Tem o cheiro de
pão-de-ló saído do forno que minha mãe, até bem pouco tempo, assava todos os
sábados, e o hálito da maresia de Barra de São João, onde, na adolescência e na
casa da mesma tia, passei tantas férias de verão. Conserva a sensação de ser sempre bem-vinda que eu
experimentava todas as vezes (e eram muitas) em que ia à casa da Patrícia
Hausberg, minha primeira (e durante muito tempo a única) amiga no Rio de
Janeiro. Traz o aconchego da cozinha da Bel Tostes, amiga de época mais tardia,
mas que por ser do interior como eu, sempre apreciou boa prosa regada à café com
queijo minas. Preserva o silêncio da sala em que troquei tantas confidências com
a Sandra Cohen, colega do período em que trabalhei em redação, que
virou amiga-quase-irmã e que acompanhei em diversas casas.
Essa casa metafísica em que hoje habito
guarda, tem, conserva, traz e preserva tudo o que preciso carregar comigo –
fundações, teto, mesa farta, leito aquecido, e até um copo de leite morno adoçado com mel
para acalentar sonhos quase esquecidos. Ao longo do tempo, ela foi incorporando mais
cômodos, Espaços construídos a partir de facetas desconhecidas de velhos
amigos; de novas amizades que se revelaram próximas num curto período de tempo;
de resíduos de amores ultrapassados; de dissabores que desbotaram com os anos,
mas ainda funcionam como alarmes contra precipícios…
De tudo um pouco essa casa alimenta
seus alicerces. Do beijo no olho para não ficar caolho, que recebo todas as
manhãs do meu marido, Lucillo, como
forma de me desejar bom dia, ao ronronar do Onassis, gato de estimação, que pressiona o focinho contra o meu nariz
para dizer a qualquer hora: preciso e quero sua atenção! Do interfone que
dispara para anunciar entregas e a chegada da diarista, ao alarme do celular
que avisa, com cinco minutos de antecedência, a iminência do próximo
compromisso. Ela se nutre dessas e de todas as pequenas coisas que compõem o dia a
dia. E, assim, também me nutre com a certeza de que sou a própria casa. Portanto, onde quer que
eu vá, tenho sempre pra onde voltar.
(*) Exibida pelo canal de assinatura GlobosatMais, a série ‘The Missing’
pode ser acessada pelo portfolio do Net Now.
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Home is not necessarily a house, but anything that
makes us feel less alone. Detective Julien Batiste, a character in ‘The
Missing’ series, gives the definition to convince a father who obsessively
looks for his missing son to give up and move on. Devastated by his tragic loss,
the father resists, asking:
"Home? What Home?
Regardless of this context, the question and the
definition move me. They make me think about the place I call home and to where
I always return. This host reference, where I pull myself together to face the
next step - whatever it is. This warm and unique space that keeps me safe,
because it exists inside of me, I finally understood.
It took me a while to get there. To understand that
this home without physical foundations brings together a little of all the houses
in which I have lived. It keeps the intimacy of my little girl's room in
Petropolis's apartment, and the taste of adventure so often savored during my
childhood in the backyard of my aunt-godmother Dudu's house in Jacarepaguá. It
preserves the smell of bread pudding out of the oven that my mother, until very
recently, baked every Saturday and the breath of the sea of Barra de São
João, where, in adolescence and in the house of the same aunt, I spent so many
summer vacations. It retains the feeling of being welcome that I experienced
every time (and there were many) when I went Patricia Hausberg’s place, my
first (and for a long time the only) friend in Rio de Janeiro. It brings the
warmth of Bel Tostes' cuisine, a friend of later times, but who, being from the
interior like me, always enjoyed good prose watered with coffee with cheese. It
preserves the silence of the room in which I exchanged so many confidences with
Sandra Cohen, a newsroom colleague, who became a friend-almost-sister and whom
I accompanied in several houses.
This metaphysical home in which I live keeps, has,
brings and preserves everything I need to carry with me - foundations, ceiling,
meals, warm bed, and even a glass of warm milk sweetened with honey to cherish
almost forgotten dreams. Over time, it has been incorporating more rooms,
Spaces built from unknown facets of old friends; from new friendships that have
revealed themselves in a short time; from residues of outdated loves; from
disappointments that have faded over the years, but still act as alarms against
precipices...
This home feeds its foundations from everything. From
the kiss on the eye that I receive every morning from my husband, Lucillo, as a
way to wish me good morning, to the pet cat Onassis’ purring, who presses the
muzzle against my nose to say at any time: I need and want your attention! From
the bell that rings to announce deliveries and the cleaning lady arrival, to
the cell phone alarm that warns me, five minutes in advance, about the next
appointment. This home feeds itself on these and all the little things that
make up the day to day. And so, it nourishes me with the certainty that I am
the house itself and wherever I go I will always have a place to come back.
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