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sábado, 17 de junho de 2017

De volta pra casa / Back home

Um lar não é necessariamente uma casa, mas qualquer coisa que nos faça sentir menos sós. A definição é proferida pelo detetive Julien Batiste, personagem da minissérie ‘The Missing’ (o desaparecimento (*), para consolar um pai que busca obsessivamente o paradeiro do filho, misteriosamente desaparecido há oito anos. É dita na tentativa de convencer esse pai, devastado pela trágica perda, a voltar pra casa e seguir em frente.  Mas ele, o pai desalentado, resiste. E pergunta:

“Casa? Que casa?

Independente do contexto da ficção, a pergunta e a definição me emocionam; me fazem refletir sobre esse lugar a que dou o nome de lar/casa e para onde sempre volto, depois de encarar uma empreitada. Essa referência de acolhimento, onde me recolho para recarregar as baterias e ganhar ânimo a fim de encarar a próxima etapa – seja ela qual for. Esse espaço quentinho e único que, um dia entendi: bastava existir dentro de mim, para que eu não me tornasse uma alma penada vagando pelo mundo.

Levei um tempo para chegar aí. Para compreender que esse lar sem fundações físicas reune um pouco de todas as casas em que já vivi. Guarda a intimidade do meu quarto de menina, no apartamento de Petrópolis, e o gosto de aventura saboreado tantas vezes, durante a infância, no quintal da casa da minha tia-madrinha, Dudu, em Jacarepaguá. Tem o cheiro de pão-de-ló saído do forno que minha mãe, até bem pouco tempo, assava todos os sábados, e o hálito da maresia de Barra de São João, onde, na adolescência e na casa da mesma tia, passei tantas férias de verão.  Conserva a sensação de ser sempre bem-vinda que eu experimentava todas as vezes (e eram muitas) em que ia à casa da Patrícia Hausberg, minha primeira (e durante muito tempo a única) amiga no Rio de Janeiro. Traz o aconchego da cozinha da Bel Tostes, amiga de época mais tardia, mas que por ser do interior como eu, sempre apreciou boa prosa regada à café com queijo minas. Preserva o silêncio da sala em que troquei tantas confidências com a Sandra Cohen,  colega do período em que trabalhei em redação, que virou amiga-quase-irmã e que acompanhei em diversas casas.

Essa casa metafísica em que hoje habito guarda, tem, conserva, traz e preserva tudo o que preciso carregar comigo – fundações, teto, mesa farta, leito aquecido,  e até um copo de leite morno adoçado com mel para acalentar sonhos quase esquecidos. Ao longo do tempo, ela foi incorporando mais cômodos, Espaços construídos a partir de facetas desconhecidas de velhos amigos; de novas amizades que se revelaram próximas num curto período de tempo; de resíduos de amores ultrapassados; de dissabores que desbotaram com os anos, mas ainda funcionam como alarmes contra precipícios…

De tudo um pouco essa casa alimenta seus alicerces. Do beijo no olho para não ficar caolho, que recebo todas as manhãs do meu marido,  Lucillo, como forma de me desejar bom dia, ao ronronar do Onassis, gato de estimação,  que pressiona o focinho contra o meu nariz para dizer a qualquer hora: preciso e quero sua atenção! Do interfone que dispara para anunciar entregas e a chegada da diarista, ao alarme do celular que avisa, com cinco minutos de antecedência, a iminência do próximo compromisso. Ela se nutre dessas e de todas as pequenas coisas que compõem o dia a dia. E, assim, também me nutre com a certeza de que sou a própria casa. Portanto,  onde quer que eu vá, tenho sempre pra onde voltar.

(*) Exibida pelo canal de assinatura GlobosatMais, a série ‘The Missing’ pode ser acessada pelo portfolio do Net Now. 
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Home is not necessarily a house, but anything that makes us feel less alone. Detective Julien Batiste, a character in ‘The Missing’ series, gives the definition to convince a father who obsessively looks for his missing son to give up and move on. Devastated by his tragic loss, the father resists, asking:

"Home? What Home?

Regardless of this context, the question and the definition move me. They make me think about the place I call home and to where I always return. This host reference, where I pull myself together to face the next step - whatever it is. This warm and unique space that keeps me safe, because it exists inside of me, I finally understood.

It took me a while to get there. To understand that this home without physical foundations brings together a little of all the houses in which I have lived. It keeps the intimacy of my little girl's room in Petropolis's apartment, and the taste of adventure so often savored during my childhood in the backyard of my aunt-godmother Dudu's house in Jacarepaguá. It preserves the smell of bread pudding out of the oven that my mother, until very recently, baked every Saturday and the breath of the sea of ​​Barra de São João, where, in adolescence and in the house of the same aunt, I spent so many summer vacations. It retains the feeling of being welcome that I experienced every time (and there were many) when I went Patricia Hausberg’s place, my first (and for a long time the only) friend in Rio de Janeiro. It brings the warmth of Bel Tostes' cuisine, a friend of later times, but who, being from the interior like me, always enjoyed good prose watered with coffee with cheese. It preserves the silence of the room in which I exchanged so many confidences with Sandra Cohen, a newsroom colleague, who became a friend-almost-sister and whom I accompanied in several houses.

This metaphysical home in which I live keeps, has, brings and preserves everything I need to carry with me - foundations, ceiling, meals, warm bed, and even a glass of warm milk sweetened with honey to cherish almost forgotten dreams. Over time, it has been incorporating more rooms, Spaces built from unknown facets of old friends; from new friendships that have revealed themselves in a short time; from residues of outdated loves; from disappointments that have faded over the years, but still act as alarms against precipices...


This home feeds its foundations from everything. From the kiss on the eye that I receive every morning from my husband, Lucillo, as a way to wish me good morning, to the pet cat Onassis’ purring, who presses the muzzle against my nose to say at any time: I need and want your attention! From the bell that rings to announce deliveries and the cleaning lady arrival, to the cell phone alarm that warns me, five minutes in advance, about the next appointment. This home feeds itself on these and all the little things that make up the day to day. And so, it nourishes me with the certainty that I am the house itself and wherever I go I will always have a place to come back.

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