Quem sou eu

sábado, 10 de junho de 2017

Entre o essencial e o supérfluo / Between the essential and the superfluous

Eu tinha apenas seis anos quando me pediram em namoro pela primeira vez. E antes que vocês, leitores, se precipitem em me chamar de precoce, devo esclarecer: a proposta veio de um coleguinha de escola, um ano mais velho do que eu, literalmente empurrado pelo pai, que --  este sim precocemente -- já se preocupava com o que julgava ser a ‘excessiva timidez’ do filho diante do sexo oposto. Não lembro o nome do menino, nem se eu sabia exatamente o que significava namorar, mas  guardo a imagem nítida dele, ancorado nas pernas do pai, me estendendo um punhado de margaridas, enquanto proferia com voz quase inaudível a fatídica pergunta: quer namorar comigo?

Luc e eu, eternos namorados.   Foto de Antonio Lisboa
Ele estava tão apavorado, que mal conseguia segurar as flores. Me olhava sem piscar e respirava ofegante, enquanto o pai – Ah! O pai! – em tom ansioso, lhe dava voz de comando: “anda menino, entrega logo essas flores!” “Senta logo ao lado dela!” “Pergunta se ela quer tomar um sorvete com você!...”  Soava tão peremptório, que eu mesmo -- disso me lembro bem -- me vi intimidada. E já estava quase aceitando flores, pedido em namoro, sorvete, sem saber se realmente os queria, quando minha mãe surgiu em meu socorro. Não sei quanto tempo ela estava ali acompanhando a cena. Só sei que chegou bem a tempo de me dar a mão,  me ajudar a segurar as margaridas, que a essa altura já roçavam meu queixo, abrir espaço para que eu pudesse agradecê-las ao menino e rosnar alguma coisa que não consegui entender àquele pai. O suficiente para detê-lo, contê-lo e afastá-lo. D. Lydia sempre se revelou uma leoa quando se tratava de defender a sua cria.

Lembro que depois desse epsódio esbarrei umas três vezes com o menino na escola. Em todas, ele mal me olhou, não proferiu qualquer som,  enrubeceu como um tomate e correu para o lado oposto do pátio. Logo depois, saiu do colégio. Nunca me deu tempo para lhe dizer que, sim, eu aceitava namorar com ele. Se namorar signifcava aceitar suas flores, sentar ao seu lado na hora do recreio e de vez em quando tomar um sorvete juntos apreciando a paisagem, sim, eu queria namorar.  Claro! Com uma condição: que aquele seu pai ansioso e enxerido não se metesse na nossa vida. Seria assim, ou estaria tudo acabado.

Acabou. Acabou bem antes de começar. Como depois, ao longo dos anos, eu me daria conta:  acabariam tantos outros namoros que, por questões que estão além da timidez desmedida e da vulnerabilidade às ansiedades paternas, tanto prometeram, mas nada cumpriram. Tantas outras promessas abortadas, por conta dos temores que trasformam encontros em desencontros incortonáveis – o medo da falha, da falta, da entrega. Tantas possibilidades extirpadas pela necessidade de se afirmar e existir sozinho, apesar de precisar estar com o outro, viver com o outro, querer  e amar o outro. Tantas encruzilhadaa ultrapassadas sem checar todos os lados da via, porque valia mais o arrepio de andar em alta velocidade, do que a emoção de trafegar e,  ao mesmo tempo,  apreciar a paisagem.

São quase cinco décadas de namoros. Cinquenta anos dos quais os últimos quinze -- no meu atual e definitivo casamento -- têm me ensinado tudo (ou quase) o que não é necessário para um relacionamento perdurar, depois que vence a barreira do, sim, eu quero te namorar. Me concentro  no que é descartável, por ter aprendido, muitas vezes a duras penas, que, nas questões de afeto, é sempre mais fácil focar equivocadamente naquilo  que  é precindível, em vez de prestar atenção ao que é essencial.  E se o essencial é invisível aos olhos e só se pode ver com o coração, me permito o cliché de citar O Pequeno Príncipe (apesar dos devaneios das misses que o banalizaram nos concursos das décadas de 60, é um grande livro) e me atrevo a articular o que, para mim, é a essência para tornar um relacionamento duradouro: abrir mão da razão – quero dizer: de ter sempre razão; reconhecer os defeitos do outro e amá-los acima das suas qualidades; acordar todos os dias perguntando: você aceita namorar comigo?

Então, viva o dia dos namorados!

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I was only six when I was first asked date someone. And before you, readers, hurry up in calling me precocious, I must clarify: the proposal came from a schoolboy, a year older than me, literally pushed by his father, who was early worried about the son’s 'excessive shyness' in the face of the opposite sex. I do not remember the boy's name, nor did I know exactly what it meant to date, but I keep the sharp image of him, anchored in his father's legs, holding out a handful of daisies, as he uttered in an almost inaudible voice the fateful question: Do you want to date me? ?

He was so scared he could barely hold the flowers. He looked at me without blinking and breathing heavily, while his father - Ah! The father! – told him in an anxious and mandatory voice, "Go boy, give her those flowers!" "Sit down next to her!" "Ask if she wants to have an ice cream with you!" He sounded so peremptory that even me, I felt intimidated. So that I was almost accepting flowers, dates, ice cream, not knowing if I really wanted them, when my mother came to my rescue. I do not know how long she had been there following the scene. All I know is that she came just in time to hold my hand, help me hold the daisies, make room for me to thank the boy for the flowers and growl something to that father. I could not understand what was it, but know it was enough to spot and push him away.

I remember that after that episode I bumped into the boy at school about three times. In all, he hardly looked at me, uttered no sound, blushed like a tomato, and ran to the opposite side of the courtyard. Soon after, he left the school. He never gave me the chance to tell him that, yes, I agreed to date him. If dating meant accepting his flowers, sitting next to him at recess and from time to time have an ice cream together enjoying the landscape, yes, I wanted to date. Of course! With one condition: that his anxious father did not get into our life. It would be like this, or it would be over.

It ended up. It ended well before it started. In the same way, over the years, so many other relationships would end, regardless of their promises. So many promises that failed because of the fear that makes great encounters impossible  - the fear of failure, of vulnerability, of surrender. So many possibilities extirpated by the need to prove self-sufficiency, despite needing to be with the other, to live with and love the other. So many crossroads that have been overlooked without checking all sides, because the passion for high-speed was stronger than the thrill of traveling and enjoying the scenery.

It has been almost five decades of dating. Fifty years of which the last fifteen - in my current and definitive marriage - have taught me what is not necessary for a relationship to last after it overcomes the yes barrier, I want to date you. I concentrate on what is disposable, because I have learned – sometimes not through easy ways -- that in matters of affection, it is always easier to mistakenly focus on what is not necessary than on what is really essential. And if the essential is invisible to the eyes and can only be seen with the heart, I allow myself the cliché of quoting The Little Prince and dare to articulate what, for me, is the essence of a lasting relationship: to give up the premises of always being right; to recognize the other’s faults and love them above his/her qualities; wake up every day asking: do you want to date me?

So, Hooray Valentine's Day! (*)


(*) Differently from the rest of the world, Valentine’s Day is celebrated in Brazil on June 12.

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