Eu tinha apenas seis anos quando me
pediram em namoro pela primeira vez. E antes que vocês, leitores, se precipitem
em me chamar de precoce, devo esclarecer: a proposta veio de um coleguinha de escola,
um ano mais velho do que eu, literalmente empurrado pelo pai, que -- este sim precocemente -- já se preocupava com
o que julgava ser a ‘excessiva timidez’ do filho diante do sexo oposto. Não
lembro o nome do menino, nem se eu sabia exatamente o que significava namorar, mas
guardo a imagem nítida dele, ancorado
nas pernas do pai, me estendendo um punhado de margaridas, enquanto proferia
com voz quase inaudível a fatídica pergunta: quer namorar comigo?
Luc e eu, eternos namorados. Foto de Antonio Lisboa |
Ele estava tão apavorado, que mal
conseguia segurar as flores. Me olhava sem piscar e respirava ofegante,
enquanto o pai – Ah! O pai! – em tom ansioso, lhe dava voz de comando: “anda
menino, entrega logo essas flores!” “Senta logo ao lado dela!” “Pergunta se ela
quer tomar um sorvete com você!...” Soava
tão peremptório, que eu mesmo -- disso me lembro bem -- me vi intimidada. E já
estava quase aceitando flores, pedido em namoro, sorvete, sem saber se
realmente os queria, quando minha mãe surgiu em meu socorro. Não sei quanto
tempo ela estava ali acompanhando a cena. Só sei que chegou bem a tempo de me
dar a mão, me ajudar a segurar as
margaridas, que a essa altura já roçavam meu queixo, abrir espaço para que eu
pudesse agradecê-las ao menino e rosnar alguma coisa que não consegui entender
àquele pai. O suficiente para detê-lo, contê-lo e afastá-lo. D. Lydia sempre se
revelou uma leoa quando se tratava de defender a sua cria.
Lembro que depois desse epsódio
esbarrei umas três vezes com o menino na escola. Em todas, ele mal me olhou, não
proferiu qualquer som, enrubeceu como um
tomate e correu para o lado oposto do pátio. Logo depois, saiu do colégio.
Nunca me deu tempo para lhe dizer que, sim, eu aceitava namorar com ele. Se
namorar signifcava aceitar suas flores, sentar ao seu lado na hora do recreio e
de vez em quando tomar um sorvete juntos apreciando a paisagem, sim, eu queria
namorar. Claro! Com uma condição: que
aquele seu pai ansioso e enxerido não se metesse na nossa vida. Seria assim, ou
estaria tudo acabado.
Acabou. Acabou bem antes de começar.
Como depois, ao longo dos anos, eu me daria conta: acabariam tantos outros namoros que, por
questões que estão além da timidez desmedida e da vulnerabilidade às ansiedades
paternas, tanto prometeram, mas nada cumpriram. Tantas outras promessas
abortadas, por conta dos temores que trasformam encontros em desencontros
incortonáveis – o medo da falha, da falta, da entrega. Tantas possibilidades
extirpadas pela necessidade de se afirmar e existir sozinho, apesar de precisar
estar com o outro, viver com o outro, querer e amar o outro. Tantas encruzilhadaa
ultrapassadas sem checar todos os lados da via, porque valia mais o arrepio de
andar em alta velocidade, do que a emoção de trafegar e, ao mesmo tempo, apreciar a paisagem.
São quase cinco décadas de namoros.
Cinquenta anos dos quais os últimos quinze -- no meu atual e definitivo
casamento -- têm me ensinado tudo (ou quase) o que não é necessário para um relacionamento perdurar, depois que
vence a barreira do, sim, eu quero te namorar. Me concentro no que é descartável, por ter aprendido,
muitas vezes a duras penas, que, nas questões de afeto, é sempre mais fácil
focar equivocadamente naquilo que é precindível, em vez de prestar atenção ao
que é essencial. E se o essencial é
invisível aos olhos e só se pode ver com o coração, me permito o cliché de
citar O Pequeno Príncipe (apesar dos devaneios das misses que o banalizaram nos
concursos das décadas de 60, é um grande livro) e me atrevo a articular o que,
para mim, é a essência para tornar um relacionamento duradouro: abrir mão da
razão – quero dizer: de ter sempre razão; reconhecer os defeitos do outro e
amá-los acima das suas qualidades; acordar todos os dias perguntando: você
aceita namorar comigo?
Então, viva o dia dos namorados!
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I was only six when I was first asked date someone.
And before you, readers, hurry up in calling me precocious, I must clarify: the
proposal came from a schoolboy, a year older than me, literally pushed by his
father, who was early worried about the son’s 'excessive shyness' in the face
of the opposite sex. I do not remember the boy's name, nor did I know exactly
what it meant to date, but I keep the sharp image of him, anchored in his
father's legs, holding out a handful of daisies, as he uttered in an almost
inaudible voice the fateful question: Do you want to date me? ?
He was so scared he could barely hold the flowers. He
looked at me without blinking and breathing heavily, while his father - Ah! The
father! – told him in an anxious and mandatory voice, "Go boy, give her
those flowers!" "Sit down next to her!" "Ask if she wants
to have an ice cream with you!" He sounded so peremptory that even me, I
felt intimidated. So that I was almost accepting flowers, dates, ice cream, not
knowing if I really wanted them, when my mother came to my rescue. I do not
know how long she had been there following the scene. All I know is that she
came just in time to hold my hand, help me hold the daisies, make room for me
to thank the boy for the flowers and growl something to that father. I could
not understand what was it, but know it was enough to spot and push him away.
I remember that after that episode I bumped into the
boy at school about three times. In all, he hardly looked at me, uttered no
sound, blushed like a tomato, and ran to the opposite side of the courtyard.
Soon after, he left the school. He never gave me the chance to tell him that,
yes, I agreed to date him. If dating meant accepting his flowers, sitting next
to him at recess and from time to time have an ice cream together enjoying the
landscape, yes, I wanted to date. Of course! With one condition: that his
anxious father did not get into our life. It would be like this, or it would be
over.
It ended up. It ended well before it started. In the
same way, over the years, so many other relationships would end, regardless of
their promises. So many promises that failed because of the fear that makes
great encounters impossible - the fear
of failure, of vulnerability, of surrender. So many possibilities extirpated by
the need to prove self-sufficiency, despite needing to be with the other, to
live with and love the other. So many crossroads that have been overlooked
without checking all sides, because the passion for high-speed was stronger
than the thrill of traveling and enjoying the scenery.
It has been almost five decades of dating. Fifty
years of which the last fifteen - in my current and definitive marriage - have
taught me what is not necessary for
a relationship to last after it overcomes the yes barrier, I want to date you.
I concentrate on what is disposable, because I have learned – sometimes not
through easy ways -- that in matters of affection, it is always easier to
mistakenly focus on what is not necessary than on what is really essential. And
if the essential is invisible to the eyes and can only be seen with the heart,
I allow myself the cliché of quoting The Little Prince and dare to articulate
what, for me, is the essence of a lasting relationship: to give up the premises
of always being right; to recognize the other’s faults and love them above
his/her qualities; wake up every day asking: do you want to date me?
So, Hooray Valentine's Day! (*)
(*) Differently from the rest of the world, Valentine’s Day is
celebrated in Brazil on June 12.
Amei. Falou pra mim. <3
ResponderExcluirQue bom! :--)
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