Da janela do apartamento onde
moro, em São Paulo, vejo um ipê amarelo. Fica do outro lado da rua, meio espremido,
na quina de terreno que virou jardim do
prédio em frente. Um canto em ângulo de 45 graus que não pode ser ocupado pela
construção do edifício e deu lugar a esse pequeno espaço verde. O jardim, na
verdade, é quase um canteiro, coberto
por algumas plantas rasteiras, que serve de base para a árvore solitária.
Nos quase 12 anos em que vivo
aqui, observo esse ipê quase que diariamente. Foi meu marido, que tem alma de
jardineiro, quem chamou minha atenção pra ele. Primeiro, por conta dos
bem-te-vis que fazem dos galhos da árvore moradia e, alegremente, anunciam a
chegada das manhãs. Depois, por causa do
comportamento da sua copa, que durante todo o ano se prepara para vestir-se de
amarelo na primavera.
Vista da minha janela da copa do ipê, com a floração de 2015 |
Pequenas felicidades que, na
adolescência e juventude, se traduziam em planejar as férias de verão, na casa
de praia do meu padrinho e tio Leo (já falei dele em outro post aqui no blog),
em Barra de São João (**); em paquerar a paixão da vez nas ‘tardes domingueiras’
da boite do Quitandinha (***); em me ver
batizada pelas crianças da família com o codinome primaVera e, para eles, passar a simbolizar a própria estação; em
assistir a três sessões seguidas de um mesmo filme, porque ele expressava tudo
o que eu sentia e não sabia dizer. Sentimentos sempre arrebatadores e
definitivos, que assim se manifestavam até a chegada da primavera seguinte
Foram muitas primaveras até
aqui e espero que ainda venham outras tantas. Nenhuma delas teve o peso histórico
de uma primavera de Praga, mas todas foram importantes como marco de esperança
na minha história particular. Quase seis décadas pontuadas por alegrias,
tristezas, perdas, ganhos, encontros e desencontros, como a vida de qualquer
um; porém, sedimentadas nessas pequenas felicidades que, se cultivadas no dia a
dia, alimentam nossa capacidade de ter
esperança. Esperança de viver em um país melhor, pautado por valores que
representem o bem comum. Esperança de fazer parte de uma sociedade menos
excludente, em que prepondere a tolerância para acolher o que é diferente. Esperança
em poder, de alguma forma, contribuir para transformar o que está em volta; fazer
a minha parte para tornar o mundo menos áspero.
E é essa esperança que vejo
renovar-se com a estação que acaba de começar. A primavera que se expressa em
exuberância na copa verdejante do ipê, do outro lado da rua; que nutre seus
brotos para que logo desabrochem em florzinhas amarelas. Ainda que ele seja apenas uma
árvore solitária, numa quina de terreno, em uma cidade cinza como São Paulo. E mesmo que, nesse momento, seu tronco, sirva
de apoio para um cartaz anunciando em letras garrafais: ‘Aluga-se Apto’.
(*) Petrópolis – cidade serrana onde nasci; localizada a 60 km da cidade do
Rio de Janeiro.
(**) Barra de São João – cidade do litoral norte do
Estado do Rio.
(***) Quitandinha – antigo cassino, situado em Petrópolis, que foi transformado em
clube, depois da proibição do jogo no Brasil.
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From my window I see a
Brazilian yellow timber tree (ipê amarelo) on the other side of the street. It
is grounded on the sharp edge of a building back yard that was almost useless.
I have been daily watching this tree, since I moved to São Paulo, almost twelve
years ago. Actually, it was my husband,
who has a gardener’s heart, who called my attention to it. At first, because of
the birds who have built nests there and wake up singing every morning to
announce a new day. Secondly, because of its treetop that seems to make
arrangements during the whole year ‘to dress yellow’ in the spring.
The season started last week
(09/21), at 11.21 am, but the yellow timber tree has not flourished yet. It has
its own time and it is not scheduled on calendars. Waiting its flowers to
blossom fills my heart of happiness. The same happiness I felt when I was a
girl and anticipated lilies and hydrangeas flowering, in my hometown,
Petrópolis (**). It was a mix of joy and hope associated with small pleasures,
such as: having an ice-cream outdoors without fearing to get a cold, since we
had pleasant temperatures; not wearing a coat to go to school early in the
morning; being allowed to play outdoors till later in the night, once spring
brought day light savings.
Small pleasures that later,
when I was a teenager, meant to plan summer vacations at my uncle’s beach
house, in Barra de São João (***); to flirt with the momentary chosen charming
prince at Quintandinha’s (****) balls; watch three sessions in a row of the
same movie, because it expressed everything I felt and did not know how to say.
Those were what I felt as ravishing and definitive feelings. Feelings that
would actually last till the next spring. J
There were many springs and
many others are to come (I hope). None of them had a historical weight, such as
Prague’s spring, but all of them meant to be important to my own history. An
almost six decade story made of joy and sadness, wins and losses, bad and good
moments as everybody else’s lives. A story also fed by those small pleasures
that are fundamental to nurture our hope. The hope to live in a better country,
driven by trues values; the hope to belong to a more inclusive society; the
hope to contribute to build a rough less world.
And this is the hope I see flourishing
with the spring that has just started here, in the South hemisphere. The spring
that makes the yellow ipê tree prepares its flowers to blossom on the other
side of the street. No matter if it is a lonely tree grounded on the sharp edge
of a building back yard, in the grey São Paulo city. No matter, if at this
moment, a poster announcing an apartment for rent hangs on its timber.
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(*) In Brazil, spring season lasts from late September
to late December.
(**) Petrópolis – my hometown. It is located 60 miles
away from Rio de Janeiro city
(***) Barra de São João – beach village, located in the
North of Rio de Janeiro state.
(****) Quitandinha – it was a casino, in Petrópolis,
and became a club when games were forbidden in Brazil.
Além dos ipês e primaveras, São Paulo está cheia de pitangueiras e amoreiras lotadas de frutos que os pássaros não dão conta de comer! Eu sou uma que disputo com eles essas delícias e não ligo de parar no meio da calçada para catá-los!
ResponderExcluirAndrew, posso ver você agachada nas calçadas disputando a 'bicadas' as pitangas e as amoras com os passarinhos :)
ExcluirPor aqui (Petropólis) a primavera ainda não apareceu. Tá um frio! Mas as sabias já estão cantando. Espero q esteja proxima.
ResponderExcluirSe sabias estão cantando, é porque ta chegando
ExcluirLinda reflexao amiga. Aqui no Canada a primavera eh muito ansiada e celebrada quando chega depois dos longos invernos. Os lirios e as cerejeiras sao os primeiros a florir anunciando a mudanca da estacao. Todo melhora de humor.
ExcluirQuem sabe não te visitamos em Vancouver em uma dessas primaveras? :0)
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