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sábado, 28 de janeiro de 2017

Soberana Saudade / Missing Tom Jobim (*)

"Passarim quis pousar, não deu, voou"...

Essa noite sonhei com Tom Jobim. Talvez porque, se estivesse vivo, ele teria completado noventa anos na última quarta-feira e a data tenha sido amplamente lembrada e celebrada.  Talvez porque um passarinho matreiro e impaciente tenha cantado, ainda de madrugada próximo a minha janela, e me despertado muito muito cedo; apesar de, aos sábados, eu gostar de dormir até mais tarde, levantei animada e feliz. Talvez porque, olhando o semblante do homem que dormia ao meu lado – meu marido, para que não fiquem dúvidas ou espaço para especulações – eu, silenciosa e pausadamente, recitasse os versos de  “eu sei que vou te amar, por toda a minha vida, eu vou te amar”… 

Talvez, por causa disso tudo, acordei cantando Jobim e transpirando saudade.

Tom Jobim
Saudade, sim.. Esse sentimento que só a nossa língua traduz em palavra com precisão. Talvez porque nossos ancestrais lusos precisassem dar voz às dores das ausências causadas pelas grandes navegações. Talvez porque  só a melodia dos fados não bastasse para embalar a solidão daqueles mares nunca dantes navegados. Era necessário expressá-la através de um substantivo que tivesse a força de um verbo. Um verbo a ser conjugado sempre no presente do indicativo, não importa quão remota fosse a carência de afeto, a falta de companhia para as noites.

Saudade, sim. Essa dor da ausência que tem-se prazer em sentir. Ausência dos amores que se tornaram finitos, dos amigos que já partiram,  dos momentos comemorados com euforia, dos sorrisos guardados em fotografias. Ausência dos segredos partilhados na surdina, dos poemas decorados e nunca declamados, das madrugadas insones, sonhando acordada, das pequenas e bobas alegrias. Ausência de mim, num tempo que não é mais aqui; ausência de ti, num lugar que não é agora; ausência de Tom Jobim, que tudo isso celebrava em canções.     

Canções inspiradas nas fontes murmurantes de Ari Barroso, nas florestas desbravadas  por Villa Lobos e em clássicos que, sem preconceito, se misturam à bossa, ao samba, ao jazz. Canções onde passarinhos sapecas saltitam,  rios desaguam em praias, ventos antecipam tempestades e as águas de janeiro, fevereiro e março transbordam verões.
Tom e Edu Lobo, foto produzida para disco juntos
Canções que, numa tarde longínqua dos anos oitenta, em sua casa do alto da rua Corcovado (*), ele, o próprio Tom, tocou pra mim, enquanto esperávamos a chegada de Edu Lobo para a entrevista sobre o disco que tinham terminado de gravar juntos. Tocou para quebrar o gelo, ao perceber que a jovem reporter, que eu era na época, estava intimidada diante do grande maestro. Tão intimidada e nervosa, que entrei na casa tropeçando, dando cotoveladas nas estantes e mal conseguindo dizer boa tarde. Tom tocou generosamente, enquanto seu filho mais novo, então um garotinho, brincava no pequeno pátio anexo ao estúdio e o sol, filtrado pelos arbustos do jardim, iluminava o piano de cauda. Tocou até Edu chegar e o resgatar do recital particular.     

“Esse piano tocado pelo Tom é uma orquestra!” – Comentou, ele, Edu, sem esconder sua admiração pelo amigo e parceiro.

Eu, vencendo a timidez inicial e visivelmente emocionada, retruquei com um “ muito obrigada, maestro”, dirigido a Tom,  antes de pegar meu bloquinho, caneta, e gravador para começar a entrevista (sim, senhores:  repórteres usavam bloquinho e gravador!). Tom sorriu, fez uma semi reverência, como se estivesse diante de uma grande plateia, e voltando à banqueta do piano, deu um gole no uísque que ali estivera todo o tempo, para responder a minha primeira pergunta que já nem lembro mais qual foi. Só me recordo do alívio agradecido por, finalmente conseguir articular um pensamento inteligente diante do meu ídolo e maestro preferido. O maestro que já era soberano, muito antes de Chico Buarque tê-lo denominado assim.

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Little bird on a tree you better fly.” (**)

Tom Jobim was on my dreams last night. Maybe because he would have turned ninety if he was alive and the date were broadly celebrated last Wednesday. Maybe because I was waken up very early by a little bird singing at my window. Maybe because staring at the man who was sleeping beside me (by the way, he is my husband), I whispered the lyrics “I know that I will love you, for all my life, I will love you”… (***)

Maybe because of all of that, I woke up this morning singing and missing Jobim.

Yes, living the feeling that only Portuguese precisely translates in a word: saudade. A substantive that brings the force of a verb. A verb to be always conjugated on the present tense. A word that expresses the emotional pain we feel when we miss something or someone, such as: old ended loves, passed away friends, celebrated moments, framed frozen smiles, silently shared secrets, memorized but never recited poems, awaken dawns, fool and little joys. The absences of who we were at some point in time. The absence of Tom Jobim, who celebrated all those feelings with music.

Songs he created inspired by Ari Barroso (****) and Villa Lobos (*****). Classical he mixed with bossa, samba and jazz – there were no boundaries for him. Songs that bring live the sensation of watching a little bird sing, of swimming on rivers that end on beaches and of bathing on summer storms. Songs that in the early eighties I had the privilege to listen to played by Tom Jobim, himself, at his place, while we waited for the composer Edu Lobo, with whom he had recorded a vinyl. At the time, I worked as a reporter and was there to interview both o them to write a story about the album.

Noticing I was so young and so intimidated by his presence, Tom started playing to break the ice. And kept playing, while his youngest son, a little boy at the time, played with his toys at the patio next door and the sunset reflected at his big black piano. And played uninterruptedly till the moment Edu Lobo showed up to rescue him from that private recital.

“Played by Tom, this piano is an orchestra”, said Edu, without disguising the admiration he felt for his partner.

Overcoming my initial shyness and visibly moved, I tuned to Tom and mumbled a “thank you very much, Maestro”, before I picked up my tab, pen and tape recorder to begin the interview (Yeah, folks: reporters used tabs and tape recorders!). Tom smiled, made a greeting gesture as if he was on stage before a big audience, and sit down back at the piano’s bench to start answering my questions.
Yes, at last, I could articulate something intelligent before my idol and favorite maestro.
(*) Tom Jobim – Antonio Carlos Jobim, Brazilian musician and composer; considered as one of the fathers of Bossa Nova. The author of ‘The Girl from Ipanema’ in partnership with Vinicius de Moraes.
(**) Lyrics of ‘Passarim’, one of Tom Jobim’s songs.
(***) Lyrics of ‘I know that I will love you’, one of Tom Jobim’s songs
(****) Ari Barroso, Brazilian composer.
(*****) Villa Lobos, Brazilian musician, conductor and musician.

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6 comentários:

  1. Que delícia, hein! Caraca! Tom Jobim tocando pra você. Deve ter sido um momento mais q sublime...

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  2. Sim ju verdade. Eu sei que vou te amar...show Verinha. Parabéns!!!

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  3. O sonho te inspirou! Parabéns!
    Tua profissão é linda e deve ter te proporcionado muitas oportunidades maravilhosas como essa.
    MCarmo O. Monteiro

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    Respostas
    1. Obrigada, Maria do Carmo, por acompanhar o blog e deixar o comentário gentil aqui.

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